Por Ricardo Rabelo
Quase 100 pessoas morreram em protestos incentivados pelo líder da extrema-direita moçambicana e ex-candidato presidencial Venâncio Mondlane, que se recusa a admitir a derrota nas eleições de 9 de outubro. Nos mais de quarenta dias de protesto já foram registradas mais de três mil prisões. Durante a tensa contagem de votos, que levou duas semanas para ser concluída, foram assassinados a tiros no meio da rua de duas figuras-chave ligadas ao Podemos, o principal partido da oposição.
Assim que os resultados foram conhecidos, o PODEMOS (Partido Otimista pelo Desenvolvimento de Moçambique), partido de Mondlane, que mal obteve vinte por cento dos votos, saiu às ruas de Maputo, capital do país, e de outras cidades. Desde então, tudo está paralisado.
Mondlane é empresário, banqueiro e pastor. Ele se apresentou como independente, apesar de pertencer à histórica oposição RENAMO (Resistência Nacional Moçambicana), uma organização de extrema-direita armada pela, na época, racista África do Sul e pelos Estados Unidos para lutar contra a FRELIMO durante a guerra civil de libertação.
O movimento da oposição de extrema-direita teve apoio de fortes panelaços dos bairros mais ricos da capital. Os protestos tornaram-se uma ocorrência diária, enquanto a repressão policial se torna mais forte chegando a usar munição letal e agredir os manifestantes. Mondlane, recentemente conclamou os seus seguidores para que continuassem os protestos por mais dois ou três meses.
Entretanto, o atual Presidente Filipe Nyusi, da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) e a o candidato vencedor Daniel Chapo, por mais de setenta por cento dos votos, tentaram restabelecer a ordem no país. No dia 4 de Dezembro, a oposição voltou a fazer uma nova semana contínua de protestos, enquanto o Governo alertou os cidadãos dos perigos que estão expostos se continuarem com a onda de violência. Na cidade de Pemba, capital da província de Cabo Delgado também conhecido como Cabo Esquecido, a mil e setecentos quilômetros de Maputo, os manifestantes bloquearam ruas, incendiaram pneus e ergueram cercas para dificultar a chegada da polícia. Cenas semelhantes foram vistas em outras cidades, mas em Pemba os manifestantes foram particularmente violentos. Isso levantou suspeitas de que eles poderiam ser militantes da Ahlu Sunnah Wa-Jamaa (Seguidores do Caminho Tradicional ou Defensores da Tradição), o Daesh (Estado Islâmico) khatiba que opera em Cabo Delgado desde 2017, tendo feito desta província a principal frente de suas operações, gerando milhares de mortes, o cerco de pequenas cidades, sequestros, assassinatos rituais (decapitações), saques, ataques contra igrejas e até mesquitas.
Outro acontecimento que ficou oculto por trás do processo controverso da eleição moçambicana foi a morte a 2 de Novembro, em aparente acidente de carro, de Bernardo Constantino Lidimba, chefe do Serviço Estatal de Informação e Segurança (SISE). Isso aconteceu no departamento de Mapai, na província de Gaza, a quase 400 quilômetros de Maputo e a menos de 100 quilômetros da fronteira com o Zimbábue quando o país estava, e ainda está, à beira da explosão. O SISE conta com uma equipe de cerca de 20.000 agentes, muito superior ao próprio exército, com cerca de 12.500 soldados.
Algumas versões indicam que Lidimba estava viajando para se encontrar com seu homólogo do Zimbábue, o chefe da Organização Central de Isaac Moyo, com quem estava planejando um golpe contra o enfraquecido presidente Nyusi. O Ministério da Defesa de Moçambique informou sobre uma tentativa de golpe de Estado organizada por fatores internos e também externos, de modo que um plano de contingência foi executado.
Os antecedentes históricos
Em abril de 2021, terroristas ocuparam a cidade de Palma, uma das mais importantes da província, com mais de sessenta mil habitantes e Mocímboa da Praia, com pouco mais de trinta mil, o que forçou as Forças Armadas de Defesa de Moçambique (FADM) a levar semanas para expulsar os mujahideen daquelas cidades e proteger as áreas circundantes. A tomada da cidade de Palma obrigou o governo do Presidente Nyusy a concentrar todas as suas forças para neutralizar os fundamentalistas, para o qual ele pediu a assistência dos governos de Ruanda e Zimbábue, além de contratar a serviços da empresa de segurança (mercenários) Dyck Advisory Group da África do Sul e do Grupo Wagner, agora conhecido como Africa Corps. Embora não tenham conseguido derrotá-los, forçaram os mujahideen a diminuir a intensidade de seus ataques.
Desde então, o grupo matou quase 5.000 pessoas, gerando mais de um milhão de pessoas deslocadas. A presença deste grupo terrorista em Cabo Delgado tem resultado na interrupção forçada das operações de várias empresas internacionais de gás que operam na costa da província. A atuação dos terroristas tem impedido a construção de uma megausina da Total Energies francesa na península de Afungi. Dificulta também a operação de um segundo campo de gás pela ExxonMobil, que será o maior investimento privado da história do continente a um custo total de cinquenta bilhões de dólares.
Em Moçambique, a exploração de gás natural, o seu recurso mais importante é realizado principalmente por grandes empresas norte-americanas e europeias. As principais concessões de gás estão na Bacia do Rovuma, onde foram descobertas mais de 180 trilhões de pés cúbicos de reservas. Nesta área, a empresa francesa Total Energies, Eni da Itália e ExxonMobil dos EUA são as principais exploradoras, com o apoio financeiro do Eximbank e da Corporação Financeira de Desenvolvimento Internacional dos Estados Unidos. Estes compromissos financeiros representam um dos maiores investimentos do governo dos EUA no continente africano.
Apesar de sua riqueza em recursos naturais de alto valor, como gás natural, grafite, titânio e diamantes, Moçambique ocupa atualmente a 183ª posição de 193 países no Índice de Desenvolvimento Humano. A desigualdade e a pobreza estão entre as mais altas em nível global, com quase metade de seus 33 milhões de habitantes vivendo abaixo da linha da pobreza. Este é o resultado, que não pode ser contestado por ninguém, de anos de exploração pelo imperialismo das riquezas naturais do país que nada melhorou a vida da população do país.
A Segurança do gás
Os protestos continuam com saques e ataques a prédios públicos. As aulas continuam interrompidas, e o principal aeroporto da capital tem paralisado os serviços. O acesso à internet e as atividades das empresas foram reduzidos a um mínimo.
Independentemente de como será resolvido o conflito sobre o resultados das eleições, os países imperialistas querem resolver a questão da segurança em Cabo Delgado, onde também atua a italiana ENI, pois já investiram centenas de bilhões de dólares, e certamente precisarão continuar investindo, pois o acesso ao petróleo e gás do pais é fundamental para compensar a impossibilidade dos países europeus de comprar estes produtos da Rússia desde o início da guerra na Ucrânia.
A partir de 2021, quando os terroristas intensificaram suas operações em Cabo Delgado, a União Europeia (UE) aumentou a sua ajuda a Moçambique com a Missão de Formação da UE em Moçambique , que visa reforçar as Forças Armadas de Defesa de Moçambique (FADM).
Em 1º de setembro do ano passado, foi assinado um novo Acordo que amplia a extensão da missão da UE, e tenta evitar o fracasso de uma primeira missão internacional, conhecida como SAMIM, implementada pela Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), para combater os pontos críticos de terrorismo. A missão SAMIM foi finalmente fechada em janeiro de 2024 envolta em suspeitas de corrupção e sem ter cumprido sua missão inicial.
A posse de dois presidentes
O Conselho Constitucional de Moçambique fixou, oficialmente, o dia 15 de Janeiro para a tomada de posse de Daniel Chapo, declarado vencedor das presidenciais, mas contestado nas ruas com protestos.
Foi o mesmo Conselho Constitucional que a 23 de Dezembro proclamou Daniel Chapo como o vencedor das presidenciais e a vitória da Frelimo que manteve a maioria parlamentar nas eleições gerais de 9 de Outubro. Esta proclamação oficial foi contestada nas ruas e só nessa semana morreram mais de 170 pessoas, elevando para quase 300 o número de vítimas dos confrontos com a polícia. O candidato presidencial Venâncio Mondlane, que lidera a contestação a partir do estrangeiro, também prometeu, muito antes da data anunciada pelo conselho Constitucional, que vai tomar posse no dia 15 de Janeiro.
Entretanto, a Comunidade de Desenvolvimento da África Austral, SADC, manifestou-se “profundamente” preocupada com as mortes, a destruição de propriedade privada e de infraestruturas públicas e disse estar disponível para ajudar na busca de uma resolução pacífica.
Também a ONU se mostrou “profundamente preocupada” com a violência pós-eleitoral em Moçambique e a fuga das populações. Na semana que se seguiu à proclamação oficial dos resultados, cerca de 2.000 pessoas fugiram para o Malawi e 1.000 entraram no Essuatíni. Entre os que saíram, estão refugiados e requerentes de asilo de várias nacionalidades que vivem em Moçambique.
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