Por Ricardo Rabelo
Quando Elon Musk comentou em 2019 sobre o golpe de Estado na Bolívia “Faremos golpes contra quem quisermos”, ele expressou nitidamente a política imperialista das burguesias abutres do Ocidente. Para eles, os governos são facilmente removíveis é possível mudá-los apenas pagando e comprando as pessoas certas.
As burguesias norte-americanas e europeias abandonaram a ordem internacional que elas mesmas construíram a partir de 1945, porque ela não serve mais para satisfazer sua sede de dominação mundial. O certo é que o Ocidente coletivo é a expressão mais bem-sucedida do crime organizado na história da humanidade.
No atual contexto político e social, está em jogo se as burguesias ocidentais serão ou não capazes de impor um sistema neocolonial estável de relações internacionais baseado na globalização tecnológica e financeira corporativa. É evidente que o sistema de direito internacional baseado nas Nações Unidas não tem qualquer poder, porque as ideias de direitos humanos e respeito à soberania dos povos não existe mais. Não é à toa que os bandidos de Tel Aviv caçoam e fazem chacota da ONU e suas resoluções porque a única ordem internacional que vigora não é baseada nos valores humanos e sim na força descontrolada e brutal de governos legais ou bandos de terroristas contratados nos vastos mercados de mercenários.
Como nunca antes, pode-se ver claramente que a fundação da ONU pelo imperialismo internacional em 1945 foi uma farsa dantesca. Eles aproveitaram os terríveis crimes da Alemanha nazista e do Japão imperial para encobrir os crimes em massa igualmente abomináveis do imperialismo norte americano e seus aliados europeus e fingir ser defensores da liberdade e da democracia. Logo em seguida, em 1948, fizeram a partilha da Palestina e patrocinaram as mais violentas ações contra um povo para expulsá-lo de sua terra ancestral. Resistiram sempre violentamente a todas iniciativas de libertação nacional, com operações para matar de fome os insurgentes contra o poder imperial britânico na Índia, por exemplo. Ou a prática de repressão permanente à luta dos argelinos contra a dominação Francesa, pioneira no uso da tortura em larga escala.
Tal como naquela época, é o sul global que reage e procura estabelecer suas próprias estruturas para resgatar e garantir a prática de relações internacionais honestas de equidade, cooperação e igualdade. São experiências bem-sucedidas, como a Organização de Cooperação de Xangai na região da Eurásia, ou iniciativas ainda mais ambiciosas, como o grupo de países BRICS+. Certamente, os governos do mundo em desenvolvimento aplaudem o progresso dessas experiências e iniciativas e avaliam quando será inaugurada uma nova ordem internacional abandonando definitivamente a cumplicidade crônica do sistema das Nações Unidas com os violentos governos ocidentais. Ao longo da história contemporânea, desde o fim da Guerra Fria, as burguesias americanas e europeias promoveram e apoiaram o terrorismo contra as populações civis de países que resistem à sua vontade.
Eles sempre facilitaram o terrorismo sionista contra a população palestina e, desde 2014, apoiaram o governo de simpatizantes nazistas na Ucrânia para impor uma campanha de terror contra a população de língua russa no leste do país. Não houve nenhuma condenação e punição das burguesias ocidentais por seus crimes até agora, e a ordem de prisão contra os criminosos do governo sionista foi preventivamente desobedecida por todo o Ocidente. A Federação Russa não foi derrocada pela sua “ousadia” de enfrentar o império, que amarga uma derrota histórica na Ucrânia de todo o imperialismo coletivo e sua expressão terrorista-militar, a OTAN. O primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orban, afirma que os países da OTAN apoiaram o regime fascista na Ucrânia com mais de US$ 300 bilhões em apoio militar e econômico. No entanto, a Ucrânia entrou em colapso.
A Ucrânia agora tem quase metade da população que tinha em 2014, em parte como resultado da migração e em parte porque perdeu mais de 25% de seu antigo território e população de língua russa. Estima-se que pelo menos um milhão de membros de suas forças armadas tenham sido mortos no conflito. Seu sistema de energia elétrica e infraestrutura industrial foram totalmente destruídos. Não tem a menor chance de resistir às ofensivas bem estruturadas e motivadas das forças armadas russas. Um colapso militar completo é questão de um tempo cada vez mais reduzido. Esse fracasso da Ucrânia, mais do que a derrota de um regime fascista corrupto, atesta o inevitável declínio econômico, social e político da Europa e do seu senhor absoluto, os Estados Unidos.
Tudo o que aconteceu desde o início de 2022 na Ucrânia, Palestina, Líbano e Síria demonstra categoricamente a criminalidade de seus governos, seu apoio ao genocídio, seu apoio ao terrorismo, e, mais recentemente o sequestro e roubo de bens alheios. Querem manter a guerra na Ucrânia com os rendimentos do dinheiro roubado da Rússia e que estava depositado em bancos europeus. Nem o mais esperto trapaceiro dos mercados globais, como Elon Musk, inventaria algo tão sórdido. A burguesia europeia foi obrigada pela sua congênere norte americana a negar seus interesses em manter relações de cooperação energética e comércio com a Federação Russa para se tornar uma quase colônia norte-americana. O resultado é que a situação política e econômica da União Europeia se tornou um desastre. Sua principal economia, a da Alemanha, está entrando em colapso enquanto a classe política desse país tenta resolver o problema pela mudança de governo e pode ser surpreendida no caminho pelo avanço do nazismo alemão agora chamado de alternativa para a Alemanha. Caso o novo governo venha a ser formado pela aliança democrata cristãos e sociais democratas nada vai mudar, exceto o grau de repressão política e econômica que será aplicada contra sua própria população. As eleições de fevereiro próximo, portanto, vai manter as políticas internas exacerbadamente neoliberais e uma política externa de hostilidade insana contra a Rússia e a China. O mesmo se aplica ao Reino Unido, com o governo enfrentando uma queda violenta de popularidade e escândalos sexuais reverberados por Elon Musk. Na França, a ditadura de Macron tenta emplacar políticas neoliberais de primeiros ministros que serão novamente rejeitados pela esquerda. Somente um impeachment com forte mobilização popular pode obter um resultado positivo para a esquerda, mas a ameaça de uma vitória de Le Pen estará sempre presente.
O jardim que a Europa é, segundo um diplomata europeu tem suas flores de “liberdade política, prosperidade econômica e coesão social” cada vez mais murchas. As instituições da União Europeia continuam a se mostrar cada vez mais antidemocráticas. Elas atacam movimentos políticos nacionais legítimos que exigem um mínimo de respeito pela vontade soberana dos povos. Ao mesmo tempo, os relativamente fracos países membros da UE, como Espanha, Itália e Polônia, estão afundando cada vez mais em seus próprios problemas econômicos, resultado da imposição de políticas econômicas neoliberais pelos cada vez menos democráticos governos. O absurdo acordo com o Mercosul leva a Europa a uma nova aventura colonial e favorece o grande capital europeu, mas ameaça a produção de seus pequenos e médios produtores.
A União Europeia estabelece uma ditadura atroz dos imperialistas norte americanos sobre a Europa, através de um parlamento castrado de qualquer poder efetivo e uma Comissão Europeia que é um verdadeiro comitê de gerenciamento dos interesses norte americanos de dominação da Europa. A Comissão Europeia, com sua presidente Ursula von der Leyen e sua chefe de relações exteriores Kaja Kallas, ambas abertamente fascistas, apoia incondicionalmente o regime ilegítimo e não eleito dos líderes simpatizantes do nazismo da Ucrânia. Elas e seus colegas da União Europeia e da OTAN estão exigindo um aumento nos gastos militares dos países membros em 50%, que irão para a compra de armas dos EUA. É claro que esta política demonstra o desprezo absoluto das burguesias europeias pelos seus povos. Eles podem alocar dezenas e centenas de bilhões em apoio ao regime fascista ilegítimo da Ucrânia, mas seus respectivos governos aprovam cada vez mais cortes nos gastos sociais de uma população que não se sente vivendo em um jardim, mas numa selva capitalista.
A burguesia norte americana, com sua estrutura governamental corrupta e antidemocrática, que rompeu completamente seus vínculos com a população, tem conseguido acumular grande lucros com a destruição da Ucrânia e vai mantê-los ou ampliá-los com sua reconstrução. Sem aprender nada com esta surra que levaram dos russos, intensificam agora sua agressão contra a República Popular da China.
Donald Trump ameaça aplicar altas tarifas alfandegárias às exportações europeias se os governos europeus não aumentarem seus gastos militares para 5% de seu Produto Interno Bruto, um aumento de quase 150%, além de comprar muito mais gás e petróleo americanos. Não é à toa que a Ucrânia resolveu impedir o gás russo de continuar passando sob seu território para alimentar as fábricas e residências europeias. A brutal indiferença da próxima administração fascista de Donald Trump aos interesses europeus causa desespero entre os líderes da União Europeia, que temem ter que arcar com todo o custo econômico e político da derrota na Ucrânia.
O novo governo dos EUA tem uma abordagem diferente. Do seu ponto de vista, a Ucrânia já não é problema seu, mas um acontecimento infeliz do outro lado do Oceano Atlântico, que deve ser resolvido o mais rapidamente possível. Na política externa, além de defender o regime sionista genocida em Israel, Donald Trump esclareceu que priorizará a guerra híbrida dos EUA contra a República Popular da China. Um aspecto importante desta guerra será uma militarização e assédio ainda maiores da América Latina e do Caribe para tentar conter a influência econômica da China e garantir maior controle dos recursos naturais para a burguesia dos EUA.
Donald Trump assume a presidência de seu país em 20 de janeiro. Nos últimos dias, ele declarou que pode recuperar o controle do Canal do Panamá. “Os EUA têm um interesse pessoal na operação segura, eficiente e confiável do Canal do Panamá, e isso sempre foi compreendido. Nunca vamos deixá-lo cair nas mãos erradas… Se os princípios, tanto morais quanto legais, deste gesto magnânimo de doação não forem seguidos, então exigiremos que o Canal do Panamá seja devolvido a nós, em sua totalidade e sem questionamento”. Na Europa o novo imperador assedia a Dinamarca, tentando obrigá-la a vender a Groelândia aos EUA
Trump parece convencido que não vale a pena desafiar China e Rússia, porque a reação não é brincadeira. Resolveu “fazer o EUA grande de novo” se voltando contra seus sócios menores, onde a subserviência é canina. O Comando Sul dos EUA consolida seu cerco militar em torno da República Bolivariana da Venezuela por meio da chamada Iniciativa de Segurança da Bacia do Caribe, que abrange as bases militares dos EUA em Aruba e Curaçao, uma crescente presença militar na Guiana e no Suriname e agora Trinidad e Tobago acaba de estender cinco acordos de cooperação militar. Para o novo chefe do Comando Sul dos EUA, almirante Alvin Holsey, os novos acordos com Trinidad e Tobago, localizada a uma curta distância da Venezuela, “aprofundam a colaboração estratégica em um grande número de questões”.
Na América do Sul, em 10 de dezembro, o Equador violou sua própria constituição ao autorizar o uso das Ilhas Galápagos, um Patrimônio Natural da UNESCO, como base militar dos EUA. O Peru já tem uma presença militar significativa dos EUA, com tropas e bases “secretas” supostamente para combater o tráfico de drogas. A Colômbia abriga pelo menos sete bases militares dos EUA, contra as quais Petro não fez nada. Em março deste ano, o governo da Argentina concordou com os militares dos EUA em supervisionar a hidrovia Paraná-Paraguai, que se estende por 3.400 quilômetros, pelos militares dos EUA. É a principal rota fluvial para o comércio da Argentina, Bolívia, Brasil, Paraguai e Uruguai.
Essa tendência de fortalecer a presença militar dos EUA na América Latina e no Caribe faz parte da resposta dos EUA à sua derrota na Ucrânia e à deterioração de sua influência no mundo em desenvolvimento. Donald Trump declarou sua determinação em usar as tarifas alfandegárias como medidas coercitivas contra a União Europeia, contra o México e a República Popular da China como um fator central da política externa americana. Resta saber se essas ameaças serão cumpridas e também se suas declarações agressivas sobre uma possível expulsão em massa de migrantes, que afetaria milhões de famílias latino-americanas e caribenhas, serão cumpridas.
O novo governo que assume o cargo em Washington no próximo mês enfrenta vários desafios sérios, tanto internamente quanto em sua política externa. A produtividade da economia dos EUA depende dos milhões de migrantes latino-americanos e caribenhos que fornecem habilidades e mão de obra essenciais. As relações comerciais e financeiras entre a República Popular da China e a América Latina continuarão a avançar porque a China oferece relações positivas de respeito e benefício mútuos, ao contrário dos EUA que é uma verdadeira ave de rapina.
A derrota da OTAN na Ucrânia acarreta um alto custo político e econômico para o governo dos EUA. Parte desse custo deve ser compensado extraindo pagamentos de impostos pela Europa. Mas outra parte importante eles vão querer compensar recuperando seu antigo controle da América Latina e do Caribe. As burguesias ocidentais estão em um beco sem saída. Eles não têm outra resposta para as consequências extremamente adversas de suas próprias políticas agressivas contraproducentes do que mais violência e mais expropriação.
Para onde vamos? Tudo indica que o imperialismo está em plena ofensiva contra qualquer mudança do cenário internacional que o desfavoreça. A versão Trump apenas acentua esta situação, mostrando que sua fome de destruição e dominação é enorme. A tomada do poder na Síria já mostrou também que qualquer meio justifica seus fins, nem que seja utilizando ferozes jihadistas, terroristas e mercenários. Isso não é novo. O imperialismo sempre usou dos meios mais sórdidos para manter sua dominação e não há qualquer escrúpulo em levantar a escumalha humana para derrotar seus inimigos.
Por outro lado, a resistência à estas investidas, apesar de afetada, se mantém. O eixo da resistência, no entanto, tem perdido consistência. De forma mais ampla, a derrota na Síria precisa gerar mudanças urgentes no modo de atuação das forças que se batem contra o imperialismo. O ímpeto dos Houtis, do Hezbolah e do Hamas não será suficiente para derrotar Israel e o Imperialismo. É preciso que haja uma mudança estrutural na atuação de Rússia e China. Não se ganha uma guerra com atitudes meramente defensivas. O velho ditado já dizia: se queres a paz, prepara-te para a guerra. Porque a Rússia não toma iniciativa de demolir o governo ilegítimo de Kiev e se mostra inequivocamente vitoriosa? A partir daí seria possível negociar em situação superior à do Imperialismo. Porque a China não toma uma atitude sequer contra Israel, do qual é o 2º. maior parceiro comercial e envolvido até o pescoço em volumosos investimentos em alta tecnologia , inclusive de vigilância cibernética, com o regime criminoso e sionista? Será que Xi Jinping e seus burocratas julgam realmente que vão fugir de uma guerra com o imperialismo com seu pacifismo ridículo? Nem Stalin acreditou tanto em coexistência pacífica com o imperialismo como os sábios chineses de agora. Será que os altos lucros obtidos nos negócios com Israel determinam uma cumplicidade da China com o genocídio?
Por outro lado, como construir uma aliança como os BRICS , que só pode prosperar contra os interesses do imperialismo, sem estruturar uma aliança militar para sustentar isso? A possível fusão com a Organização de Cooperação de Xangai , que é também uma aliança militar, pode ser a solução. É preciso que a China tome iniciativas efetivas contra o imperialismo, a começar pelo rompimento completo com Israel. É preciso abandonar esta ideologia de “mundo multipolar”, que na verdade não existe. O que existe é uma ofensiva de algumas forças anti imperialistas, e um declínio inevitável do imperialismo, mas que ele quer prolongar o máximo possível através da guerra. Fugir dessa situação recitando Confúcio não nos prepara para o embate inevitável também entre as duas forças. Desse embate será vencedor o que tiver mais força e astúcia. Somente com a vitória das forças anti imperialistas haverá a possibilidade de um mundo melhor.
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