O presidente insiste em atacar os reitores e acusá-los de corrupção
Aviso a Milei: A maioria da Argentina apoia a universidade pública
De acordo com uma pesquisa, 99% por cento acreditam que a educação é a ferramenta para o crescimento. Mais de 60% rejeitam o ajuste. Hoje o Sigen inicia as auditorias.
Por Laura Vales Outubro 21, 2024 – 11:01
- Página 12
A sociedade não acredita em Javier Milei quando ele fala contra as universidades públicas. Longe de considerá-los como “um trabalho da casta” ou um sistema pelo qual “os pobres pagam pela educação dos ricos”, os argentinos valorizam a universidade pública e gratuita como um bem muito precioso. 99 por cento acreditam que a educação é a ferramenta para o crescimento nacional, 80 por cento concordam que ajudam na mobilidade ascendente, 86 por cento consideram que as universidades públicas são motivo de orgulho para o país. Enquanto isso, o presidente, seguindo um mecanismo que já utilizou para desfinanciar outras áreas, como refeitórios e urbanização de bairros populares, se prepara para auditá-los, o que neste governo indica que iniciará uma campanha através dos meios de comunicação que lhe estão relacionados. O chefe do Escritório Geral de Auditoria da Nação (Sigen), Miguel Blanco, anunciou que esta semana começará a revisar as contas das faculdades com maior orçamento. “Provavelmente começaremos com a UBA”, antecipou.
O estudo de opinião foi realizado pela empresa de consultoria Zuban Córdoba y Asociados, que pesquisou o impacto que os ataques de Milei à universidade pública e seu veto à lei de financiamento universitário tiveram sobre o eleitorado.
O presidente usou dois argumentos principais para seus ataques, o primeiro foi a acusação libertária usual de ser “um trabalho da casta”. “Eles não se permitem ser auditados”, disse Milei nesse sentido. A segunda é mais delicada porque toca na profunda frustração social que a maioria dos argentinos está passando, e consiste na ideia de que “a universidade pública serve apenas aos ricos e às classes médias altas” (com variantes mais agravadas, como “o mito da universidade livre se torna um subsídio dos pobres para os ricos”, ou “as universidades públicas deixaram de ser uma ferramenta de mobilidade social para ser um obstáculo a ela”).
É claro que após o veto e após a segunda marcha em defesa das universidades, o presidente tomou nota de que não tem endosso em sua intenção de retirar o financiamento do sistema. Na verdade, ele até teve que sair para esclarecer que “a educação pública e não tarifária não está em discussão”. Mas, mesmo assim, não recuou, já que o Orçamento de 2025 aloca menos fundos para eles.
O que diz a pesquisa
A pesquisa mostrou que as universidades têm uma imagem forte na sociedade:
* 76 por cento acreditam que não é verdade que os pobres não chegam à universidade pública.
* 91 por cento discordam que são uma despesa desnecessária.
* 86% os consideram motivo de orgulho para a Argentina.
* 80 por cento acham que a universidade pública ajuda na mobilidade social.
* 99% afirmam que a educação é a ferramenta para crescer como país.
* Para 73 por cento, está claro que, se Milei foi capaz de vetar a lei de financiamento, foi porque Macri concordou com ele.
* Uma grande maioria, 61 por cento, se opõe à ideia de que o Milei tenha que ajustar as universidades, embora 67 por cento dos consultados acreditem que as universidades deveriam fazer um uso mais eficiente de suas despesas. 38% apoiam o veto de Milei à lei de financiamento, enquanto 59% são contra.https://iframely.pagina12.com.ar/api/iframe?url=https%3A%2F%2Ftwitter.com%2FZuban_Cordoba%2Fstatus%2F1845525026700988634&v=1&app=1&key=4676b5fdc083257ea87f71608c74e9fe&playerjs=1
A palavra presidencial, desvalorizada
Paola Zuban, diretora de pesquisa da consultoria Zuban Córdoba, explica que o consenso social em torno da educação pública gratuita na Argentina “é praticamente total, tanto que parece estar gritando com o presidente para não avançar no desfinanciamento que a falta de atualização no orçamento de 2024 e nos salários dos professores acarreta”.
Ele esclarece que “há nuances nas opiniões, especialmente no que diz respeito ao financiamento e auditoria das universidades”. Mas, em geral, o conflito gerou “um fortalecimento do núcleo duro e um distanciamento de setores que inicialmente apoiaram a administração libertária ou que ainda a apoiam, porque coincidiram com um modelo econômico que acreditavam ser uma solução para os problemas do país sem serem mileístas ortodoxos. Os setores que se afastam, o fazem progressivamente e devido à sedimentação de erros forçados e não forçados do governo.”
-O apoio de 38% ao veto da lei de financiamento universitário é um fato novo?
– Não, é o núcleo duro do apoio de Milei.
O conflito sobre o financiamento universitário está sendo uma dobradiça no relacionamento de Milei com o eleitorado?
-É difícil dizer. As universidades são um valor socialmente partilhado pela maioria, não há dúvida quanto a isso, mas essa mesma maioria também tem outros problemas. O financiamento educacional ocupa o oitavo lugar no ranking de preocupações dos argentinos, abaixo do desemprego, da corrupção, da insegurança e da violência política.
A palavra presidencial foi desvalorizada?
-Todos os dias.
Auditorias, a partir desta segunda-feira
O Sigen começará esta semana com as auditorias, anunciou seu chefe, Miguel Blanco, que anunciou que provavelmente começará com as faculdades da Universidade de Buenos Aires porque são elas que administram orçamentos maiores.
A decisão de colocar esse órgão para controlar as universidades foi tomada pela Casa Rosada, após encarregar o procurador-geral da Fazenda, Rodolfo Barra, de emitir um parecer para viabilizar essa possibilidade. Desde o final de 2022, o monitoramento do setor ficou a cargo do Auditor Geral da Nação, que depende do Congresso; o Sigen, por outro lado, depende do Poder Executivo.
“Estamos reestruturando a equipe que auditava as universidades e estamos iniciando algumas das auditorias. A ideia é que montemos um cronograma porque não podemos auditar as 60 universidades ao mesmo tempo”, disse Blanco.https://iframely.pagina12.com.ar/api/iframe?url=https%3A%2F%2Fgeo.dailymotion.com%2Fplayer%2Fxt5ee.html%3Fvideo%3Dx97rspc&v=1&app=1&key=4676b5fdc083257ea87f71608c74e9fe&playerjs=1
“Estamos tranquilos e com tudo em ordem”, disse o reitor da Faculdade de Farmácia da UBA, Pablo Evelson, quando questionado sobre o anúncio.
O termo auditoria tem uma ressonância específica no governo de Milei, porque ele os usou como ponta de lança para cortar despesas. A auditoria, nos últimos dez meses, não tem sido sinônimo de controle, mas de entrada para campanhas sujas. A mídia relacionada ao governo tem sido fundamental nessas campanhas.
A ministra do Capital Humano, Sandra Pettovello, alegou o resultado das auditorias para cortar o programa Empower Work; acusou milhares de beneficiários de terem viajado para o estrangeiro e, embora mais tarde se tenha provado que a maioria delas eram acusações infundadas (até inventaram viagens à Noruega!), a sociedade acreditou nas acusações. Houve também auditorias para suspender o envio de alimentos para as cozinhas comunitárias: a denúncia de irregularidades em alguns refeitórios, amplificada pelos meios de comunicação de massa, foi usada para cortar o abastecimento de todos os refeitórios e áreas de piquenique que dependiam de organizações sociais. A Justiça decidiu a favor das organizações que processaram Pettovello, mas o ministro reluta em cumprir as decisões judiciais e o caso está no Supremo Tribunal Federal. O governo também encomendou uma auditoria do FISU (o fundo para a urbanização de bairros populares) e deixou o programa sem fundos, embora a auditoria tenha mostrado posteriormente que nenhuma irregularidade havia sido registrada. Não importava: para o governo libertário, bastava espalhar suspeitas sobre supostos empregos para desfinanciar políticas. Ele será capaz de repeti-lo com as universidades? O resultado do estudo de opinião de Zuban Córdoba indica que desta vez não será tão fácil para Milei.