A Economia e a Sociedade Americanas: Eleições e Crise
Prof. Dr. Ricardo F. Rabelo
De acordo com os analistas tradicionais e conservadores a Economia dos EUA estava tendo um ótimo desempenho antes da pandemia do Coronavirus. Isto não é verdade. Como apontamos em análise anterior, a economia dos EUA cresceu apenas 2,3% em 2019, não chegando aos 3% prometidos por Trump. Desde a crise de 2008 a economia dos EUA não ultrapassou a barreira dos 3%, permanecendo girando em torno dos 2% após a recessão de 2008-2009.
Trump e a Crise Econômica
O motivo pelo qual a economia teve um crescimento tão fraco tem a haver com questões estruturais da economia, como o atraso no desenvolvimento tecnológico da indústria americana, a grande concentração de renda após a adoção de políticas neoliberais, e o baixo nível de investimento das empresas estadunidenses. Do ponto de vista conjuntural, a política de Trump de estabelecer uma verdadeira guerra comercial com a China foi certamente um dos fatores envolvidos no processo pois provocou uma retração ainda maior nos gastos e investimentos das empresas .
As empresas preferiram entesourar seus lucros, em vez de usá-los para construir fábricas ou comprar equipamentos. A queda no crescimento – de 2,9% em 2018 para um ritmo mais típico em 2019 (2,3%) – indica também o fracasso da política de cortes de impostos que fez as empresas acumularem seus ganhos com a ajuda do governo. O crescimento de 2019 somente indicou que as ameaças de uma recessão foram dissipadas e a recuperação de deu graças em grande parte ao aumento do consumo.
Trump não realizou seu plano original de investimento em infraestrutura, insistindo que as políticas de incentivos fiscais permitiriam um desempenho da economia americana “sem precedentes”, “histórico” e na “via rápida”. Mas muitos economistas alertaram para a ilusão que essa política envolvia, mas não foram ouvidos.
A pandemia do novo corona vírus, juntamente com as debilidades estruturais existentes, fez a economia dos Estados Unidos mergulhar em uma profunda crise econômica e social que abalou a confiança nas propostas econômicas do Governo Trump.
A questão do Desemprego
Quando Donald Trump chegou à Casa Branca em janeiro de 2017, o desemprego já indicava um nível reduzido, de 4,7%. Barack Obama teve que lidar com um desemprego de 9,8% após a crise financeira internacional de 2008.Após quatro anos, quando o presidente democrata iniciou seu segundo mandato, o nível do desemprego havia caído e a taxa era de 6,6%. Até fevereiro de 2020 o índice era de 3,6%.O desemprego continuou diminuindo até a pandemia, atingindo seu nível mais baixo em 50 anos em setembro de 2019: 3,5%.
Com a resistência de Trump a tomar medidas imediatas contra a pandemia, começaram medidas nos Estados para conter o vírus. Trump alegou na época que não tinha informações sobre a crise na China, mas recentemente admitiu que sabia previamente disso. As medidas de lock down tiveram impacto imediato na economia, pois houve fechamento de escolas e empresas não essenciais. As viagens aéreas foram drasticamente reduzidas. O resultado: a taxa de desemprego subiu para 4,4% em março e, no mês seguinte, atingiu o maior recorde histórico de 14,7%. Com a desorientação propagada por Trump, que passou a chamar o corona vírus de vírus chinês e a se posicionar contra as medidas preventivas, inclusive o uso de máscaras, a economia foi aberta de forma desencontrada regionalmente. Desde maio, o índice de desemprego começou a diminuir e atingiu 7,9% ao final de setembro. Em Outubro a taxa caiu para 6,9%.

Recessão e Retomada
O desempenho da economia também foi afetado pela Pandemia. Em 2017, o crescimento atingiu 2,3% frente a 1,6% em 2016, último ano de Obama na Casa Branca. Em 2018, o PIB cresceu 2,9% e em 2019, 2,3%, mostrando a dificuldade de ultrapassar a barreira dos 2%.Com a pandemia, os Estados Unidos entraram em recessão e embora a economia se recupere à medida que as atividades são retomadas, o crescimento ainda é inferior ao registrado em 2019.

No terceiro trimestre, a economia dos Estados Unidos cresceu 33,1% em relação aos três meses anteriores, em dados anualizados, de acordo com a segunda estimativa oficial divulgada em 25 de Novembro pelo escritório oficial de estatísticas (BEA) do Departamento do Trabalho do país, confirmando os números da primeira estimativa, divulgada em 29 de outubro. Aparentemente uma forte expansão, mas ela foi calculada sobre a base da recessão do período anterior, não recuperando a perda havida nos 1º.e 2º. Trimestres deste ano que somam 36,4% negativos. De acordo com o Departamento do Trabalho, as revisões em alta de investimento fixo não residencial, investimento residencial e exportações foram compensadas por revisões em baixa nos gastos do governo estadual e local, investimento em estoque privado e despesas de consumo pessoal. Ainda deve haver no próximo mês a divulgação da terceira estimativa, julgada a oficial e definitiva. Apesar da recuperação histórica no último trimestre, economistas apontam que, dada a atual retomada de casos de covid-19 nos Estados Unidos, o país com mais infecções e mortes no mundo, a expectativa é de que a expansão econômica se enfraqueça, com a volta das restrições de circulação em algumas regiões.
A Reforma Fiscal e o Déficit
A reforma fiscal adotada em 2017, reduziu o imposto de renda dos mais ricos e baixou o imposto sobre as empresas de 35% para 21%. Trata-se de uma clara opção neoliberal, radicalizada ao extremo pela Administração Trump. Essas medidas tiveram pequeno impacto sobre o crescimento em 2018 e 2019, e resultaram em grande crescimento da dívida e do déficit fiscal, que cresceu 26% no ano fiscal de 2019, o que significou aproximadamente um trilhão de dólares.Com o corona vírus, o déficit chegou a um nível histórico em 2020, após gastos para conter o impacto econômico da pandemia, e superou os 3 trilhões de dólares, um recorde absoluto. A dívida também cresceu , ficando em 26,9 trilhões no ano fiscal de 2020, que terminou em setembro.
O governo federal dos Estados Unidos teve no ano um déficit orçamentário de US$ 284 bilhões em outubro, primeiro mês do novo ano fiscal, valor que é mais do que o dobro do registrado há um ano, de acordo com dados do Departamento do Tesouro divulgados em 12 de novembro último. No mês, os Estados Unidos registraram déficit orçamentário de 49,29 bilhões de dólares , de acordo com dados do Departamento do Tesouro. Os gastos no mês passado foram de 216,98 bilhões de dólares, um recorde para o mês. As receitas alcançaram 167,69 bilhões e dólares, também recorde para outubro. O déficit orçamentário cresceu 111% em outubro na comparação com o mesmo mês do ano passado, devido ao aumento dos gastos do governo em programas de saúde e em redes de segurança social, e por causa da menor arrecadação de impostos federais, segundo dados do Tesouro.
As despesas cresceram 37%, ficando em US$ 522 bilhões, enquanto a receita caiu 3,2%, com valor de US$ 238 bilhões. No acumulado dos últimos 12 meses, os EUA registraram um déficit três vezes maior que o mesmo período anterior, devido às políticas para combater a pandemia de covid-19. O déficit orçamentário em 12 meses chegou a US$ 3,3 trilhões em outubro, cerca de 15,5% do Produto Interno Bruto (PIB).
O déficit federal cresceu, neste ano, à medida que o Congresso aprovou medidas emergenciais, incluindo distribuição de cheques aos americanos e empréstimos para pequenas empresas, para diminuir os impactos da pandemia sobre a economia americana. Analisamos em seguida este conjunto de medidas, chamado de CARES Act
O aumento de gastos com saúde, assistência alimentar e programas como seguro desemprego também pressionaram o déficit, enquanto as receitas fiscais diminuíram em meio às demissões em massa e à queda do consumo.
As despesas do Departamento de Saúde e Serviços Humanos cresceram 50% no mês passado. Houve um aumento de 76% com os gastos do Medicare e de 20% com o Medicaid. Na Previdência Social, a alta foi de 9%. Já os gastos do Tesouro caíram 7%, em parte devido aos menores custos da dívida federal, que chegou a US$ 21 trilhões no fim do mês.
O crescente déficit orçamentário está no centro dos debates em Washington sobre quanto mais apoio, do governo, o Congresso deveria dar à economia. Os democratas querem outro pacote amplo de ajuda econômica, argumentando que déficits maiores valem a pena para ajudar a estimular a recuperação da economia. Já os republicanos desejam manter o déficit sob controle e sugeriram a aprovação de um pacote de ajuda menor e direcionado aos setores mais afetados.
Plano de ajuda de Emergência
No final de março, republicanos e democratas votaram a favor da Coronavirus Aid, Relief, and Economic Security Act . Também conhecido como CARES Act , foi um projeto de estímulo econômico de US $ 2,2 trilhões aprovado pelo 116º Congresso dos EUA e sancionado pelo presidente Donald Trump em março de 2020, em resposta às consequências econômicas da pandemia COVID-19 nos Estados Unidos . Os gastos incluem principalmente US $ 300 bilhões em pagamentos únicos em dinheiro para americanos individuais (com a maioria dos adultos solteiros recebendo US $ 1.200 e famílias com crianças recebendo mais ), US $ 260 bilhões em aumento de benefícios de desemprego, a criação do Programa de Proteção ao Salário que fornece empréstimos perdoáveis a pequenas empresas com um financiamento inicial de US $ 350 bilhões (posteriormente aumentado para US $ 669 bilhões pela legislação subsequente ), US $ 500 bilhões em ajuda para grandes corporações e US $ 339,8 bilhões para governos estaduais e locais. No final de julho essa ajuda começou a ser reduzida ou cortada e até agora o Congresso não chegou a um acordo para um novo plano de estímulo à economia.
A Política Monetária
O Federal Reserve e seu presidente, Jerome Powell, costumavam ser alvos do presidente Trump, que os acusava de ter desacelerado a economia aumentando as taxas de juros em 2018. Mas, dada a amplitude da crise causada pela pandemia, o Fed levou suas taxas de referência para níveis mínimos que atualmente estão entre 0 e 0,25% ao ano. Também implementou programas para injetar dinheiro na economia e garantir o fluxo de recursos dos bancos para as empresas.
Nos meses após o fim dos bloqueios causados pela Covid-19, algumas economias se recuperaram mais rápido do que outras e a dos Estados Unidos foi uma delas, principalmente por terem adotado medidas de restrição menos rigorosas do que a Europa.
As Perspectivas da economia americana sob Biden
O Governo Biden se consolidou e os questionamentos de Trump no plano judicial fracassaram fortemente. Por mais que a suprema Corte seja parcial, não ´poderá reverter a decisão das Cortes Estaduais que, questionadas, foram favoráveis à certificação dos resultados pró-Biden.
As propostas divulgadas até o momento para a economia pelo Governo Biden permitem prever uma política neoliberal mais contida e combinada com algumas medidas que poderiam ser chamadas de keynesianas.
O atual Congresso, especialmente o Senado de maioria republicana, não aprova novas medidas de socorro pelos efeitos da pandemia desde março e cujo montante que foi reduzido à metade em agosto. Uma nova eleição de segundo turno, que acontecerá em janeiro, para duas vagas da Geórgia no Senado, o que poderá dar maioria democrata também no Senado. Dessa forma, as medidas propostas por Biden podem não se viabilizar caso o Senado continue de maioria republicana, ainda mais quando o cenário pós-eleitoral é de polarização permanente entre os trumpistas, derrotados e o Governo Biden, que terá que ser muito assertivo para viabilizar o encaminhamento de suas propostas.
A principal delas é a que propõe a obter a aprovação de um novo pacote de estímulo fiscal que permita conceder auxílio financeiro a famílias e empresas, além de estender o seguro-desemprego. Embora se justifique pela Pandemia, ela é muito mais uma medida de expansionismo econômico, do que a Cares Act, ainda que se esteja vivendo uma segunda onda da Pandemia.
Um aspecto importante no plano de Biden é a geração de 5 milhões de empregos, que busca promover o desenvolvimento da indústria americana. A idéia é estimular a compra de produtos fabricados nos Estados Unidos. Além de uma possível campanha “Buy American”, o projeto visa fazer que todas as compras feitas pelo governo e seus contratantes sejam de produtos americanos. O que é irônico é que o Governo Americano tem feito uma verdadeira campanha para que os outros países abram seus mercados de compras governamentais para a competição no mercado internacional.
Além disso o Governo propõe adotar uma espécie de Política Industrial denominada “Rebuild Better”, que envolve um investimento fiscal de US$ 400 bilhões na compra de bens e serviços nacionais e um investimento adicional de US$ 300 bilhões em pesquisa e desenvolvimento tecnológico. Esses recursos seriam destinados principalmente ao desenvolvimento de energias limpas, biotecnologia, telecomunicações e inteligência artificial. Como são investimentos em bens de capital gigantescos, duvida-se que possam ser financiados apenas com aumento de impostos, julgando que o Estado talvez tenha de aumentar seu endividamento. Com relação aos investimentos estrangeiros, pensa-se em uma taxa mínima sobre lucros de 21%, acima dos atuais 10,5%. Há também a proposta de Incentivo fiscal de até 10% para certos investimentos na produção nacional.
Uma meta prioritária de seu Plano é o aumento do salário-mínimo nacional de US$ 7,25 para US$ 15 por hora até 2026, atendendo a promessas feitas na campanha e que satisfazem as reivindicações da “ala esquerda” do Partido Democrata. No último debate da campanha eleitoral, Biden admitiu que um salário-mínimo abaixo de US$ 15 seria abaixo da linha de pobreza. A medida não obteve apoio das empresas, que argumentam que isso poderia levá-las à falência, devido ao aumento de custos.
Biden também propõe um aumento nos benefícios previdenciários de US$ 200, além da ampliação destes benefícios para maiores de 78 anos, pessoas de baixa renda e viúvas(os).
O Plano de Biden prevê um aumento de impostos sobre as empresas, ficando em 28% em comparação com os 21% da Reforma Fiscal de Trump em 2017. Vê-se que a medida é tímida, pois não retorna ao nível de 35% existentes antes da reforma de Trump.O argumento para o aumento dos impostos é que este foi o maior corte de impostos já adotado nos EUA, mas que favoreceu muito as multinacionais, mas nunca colocou a exigência de estas corporações contratassem trabalhadores americanos.
Paralelamente será estabelecido um aumento do imposto de renda, de 37% para 39,6%, para as classes de altos rendimentos, que ganham mais de US$ 1 milhão por ano. Há também a idéia de tributar fortemente os ganhos de capital. A meta de Biden é arrecadar, com estas medidas, cerca de US$ 4 bilhões. Há questionamento, no entanto, se este montante poderia ser obtido se a economia continuar com problemas e se os planos de investimentos previstos para US$ 5 bilhões ultrapassem este valor.
Outro problema que Biden terá que enfrentar é a guerra comercial desenvolvida por Trump contra a China. Ela causou enormes prejuízos para a economia americana e não se pode aferir quais os resultados positivos se obteve. Biden , em discursos e entrevistas chegou a dizer que reavaliará as tarifas impostas à China, e tomará medidas para que os aliados retomem seu posicionamento conjunto com os EUA contra as medidas chinesas.
A questão da Saúde, em tempos de Pandemia, é estratégica. Biden disse que um de seus objetivos como presidente é garantir que nenhum americano que adquira seguro saúde pague mais de 8,5% de sua renda anual com assistência médica. Isso poderia representar uma economia de milhares de dólares para as pessoas, mas também poderia aumentar a parcela que os empregadores pagam por esse seguro.
No caso daqueles que não podem pagar seguro saúde privado, ele propôs reduzir a idade de elegibilidade de 65 para 60 anos para pessoas que entrarem no programa de saúde Medicare, acrescentando que incluirá cobertura de serviços odontológicos, oftalmológicos e auditivos no programa. Biden também quer reduzir o custo dos medicamentos prescritos para os beneficiários do Medicare, por exemplo permitindo que o governo negocie esses preços, algo que atualmente é proibido por lei. E também propõe a eliminação da regra que estabelece que a maioria dos preços dos medicamentos suba mais rápido do que a inflação. Em resumo, o plano econômico de Biden baseia-se no uso da política fiscal para estimular o crescimento, proteger a indústria nacional e “reconstruir a classe média” com um aumento de impostos que, em tese, só afetará os mais ricos. Não se parece com os pontos básicos do neoliberalismo, pois propõe uma intervenção anticíclica do Estado.
Com relação à questão do meio ambiente, o Plano de Biden propõe um Investimento de US$ 2 trilhões ao longo de quatro anos, voltado principalmente para o incentivo a energias renováveis, além do retorno do país ao Acordo de Paris.
No que diz respeito à imigração, há uma reversão das políticas de Trump. Biden propõe o fim da construção do muro na fronteira com o México. Ele também vai acabar com as políticas de Trump que separaram famílias de imigrantes. Consta inclusive do plano uma proposta de reforma migratória e facilitação de vistos de trabalho em setores com escassez de mão de obra local.
O grande desafio é que a aplicação dessas medidas não dependerá apenas da composição política do Congresso, mas também da evolução da pandemia, fator de incerteza que pesa na reconstrução econômica global e no destino da maior economia do mundo.
Biden e a Sociedade Americana
A política nos Estados Unidos é cada vez mais um reflexo fiel das pronunciadas diferenças econômicas e agudos problemas sociais que a sociedade enfrenta. Um país onde uma família branca média tem uma renda líquida de mais de $ 181.440, enquanto uma família negra média atinge apenas $ 20.730, de acordo com estatísticas da Pesquisa de Finanças do Consumidor do Federal Reserve (SCF) no final de 2019. E onde famílias om um patrimônio superior a 1 milhão de dólares, possuem 79,2% de toda a riqueza do país; enquanto isso, a metade inferior das famílias americanas possui apenas 1,5% da riqueza. O cientista político Noam Chomsky demonstrou os fortes vínculos entre o governo Trump e os setores do poder: “É difícil encontrar um presidente americano que se tenha dedicado mais a enriquecer e capacitar os ultra ricos e o setor empresarial, que é, obviamente, o é por isso que eles ficam felizes em tolerar suas travessuras. “
E o pior é a marca duradoura que o Trumpismo está deixando, com todo o seu fardo de ressentimento e animosidade para com os outros e sua crença fratricida na superioridade absoluta como nação e como classe.
Mas, por outro lado, Biden não tem um histórico de ações contra estas injustiças da sociedade americana e do papel dos EUA no mundo. Biden foi o executor das políticas de agressão e interferência do governo “democrático” de Obama em outras nações. Nesse governo (2009/2016), além da guerra contra a Líbia e a Síria, por meio da CIA e do Departamento de Estado e da criação de exércitos mercenários como Daesh, a nação do norte esteve ligada ou dirigiu diretamente os golpes de Estado contra o presidente Manuel Zelaya, em Honduras (2012), Dilma Rouseff, e a prisão de Lula da Silva, no Brasil (2016), a tentativa de golpe contra Rafael Correa, no Equador (2010). Eles impuseram as candidaturas de Macri (Argentina); Bolsonaro, (Brasil); Piñera (Chile). A mão sinistra de Biden esteve envolvida em todos os processos golpistas na qualidade de vice-presidente, inclusive na declaração da Venezuela uma “ameaça à segurança nacional” dos Estados Unidos.
Por outro lado, Joseph Biden é um velho político (fez 78 anos em 20 de novembro) do establishment conservador americano, com 47 anos acostumado aos labirintos do poder em Washington. Foi senador de 1972 até, em 2009, assumir o cargo de vice-presidente de Barack Obama. Ao longo de quase meio século, há pouco em seu histórico que espere uma reviravolta significativa na política externa de Trump, especialmente no reino sempre turbulento das relações hemisféricas. O que há é a certeza de que ao longo de tantos anos no Senado foi cúmplice, beneficiário – ou pelo menos testemunha silenciosa – das tantas vezes denunciadas corrupção institucionalizada em Washington, dos suculentos contratos e concessões oferecidos às empresas do complexo militar-industrial e, após a quebra das hipotecas de 2008, do fabuloso resgate concedido pelo Tesouro ao corrupto sistema bancário dos Estados Unidos. Tudo isso passou sob seu olhar e em nenhum momento ele insinuou descontentamento ou desconforto moral.
A renovação ou o “novo começo”, retórica que tanto apreciam os presidentes dos Estados Unidos quando derrotam os seus adversários, não está de acordo com a relação promíscua que Biden – como Trump – mantém com a burguesia imperial.
Sabe-se que sua dispendiosa campanha eleitoral foi facilitada por generosos fundos de grandes corporações. Um relatório revela que Joe Biden recebeu doações de 44 bilionários; e seu par, Kamala Harris, o superou ao receber contribuições de 46 bilionários americanos. Em termos individuais, Trump se beneficiou da generosidade de Sheldon Adelson, dono de um cassino em Las Vegas e, de acordo com o The Guardian, um “conservador pró-israelense fervoroso” que acabou doando US $ 183 milhões para a campanha da New Yorker . Biden, por sua vez, recebeu uma doação do ex-prefeito de Nova York e magnata da mídia Michael Bloomberg no valor de US $ 107 milhões. Como pode ser visto, parece haver uma ligeira contradição com o princípio elementar de toda democracia de um homem / uma mulher, um voto.
Biden anuncia o retorno dos EUA à UNESCO, Mas é preciso lembrar que os Estados Unidos deixaram de financiar a UNESCO em 2011, sob a presidência de Barack Obama e quando Joe Biden era seu vice-presidente.
Na edição de março-abril da revista Foreign Affairs, uma espécie de bíblia para o establishment americano, Biden publicou um artigo em que antecipava o que faria se chegasse à Casa Branca. O título – “Why America Must Lead Again” – não deixa dúvidas sobre a fidelidade absoluta desse personagem à tradição do “excepcionalismo” americano. O mundo precisa de um líder e os Estados Unidos devem assumir esse papel, concedido por ninguém menos que Deus e abandonado por Trump que errou ao tentar tornar os Estados Unidos “grandes de novo”, abdicando de sua responsabilidade de manter a ordem internacional e esnobando seus aliados e amigos. Seu programa tem três eixos: a renovação e fortalecimento da democracia nos Estados Unidos e na arena internacional; novos acordos comerciais para conter a China e impedir que a China e seus aliados estabeleçam as regras do jogo, algo que o império reivindica como sua prerrogativa absoluta, assim como aconteceu após a Segunda Guerra Mundial; e, por fim, mais uma vez colocar Washington na “cabeça” da mesa das negociações internacionais.
China e Rússia aparecem claramente como inimigas dos Estados Unidos, em linha com as teses dominantes principalmente desde a época de Obama. A linguagem usada em algumas passagens é alarmante e nada diplomática, e lembra um pouco da bravata e insolência de Trump. Por exemplo, ele chamou o governo de Vladimir Putin de “sistema cleptocrático autoritário” enquanto dizia que Xi Jiping “era um valentão”, além de acusar a China de roubar descaradamente direitos de propriedade intelectual e ativos de grandes empresas e investidores americanos. Em relação à democracia, ele promete convocar, no primeiro ano de seu mandato, uma grande conferência com “líderes amigos” para construir uma coalizão internacional que promova a democracia e os direitos humanos e combata corrupção , e que funcione de forma coordenada a partir de uma agenda comum.
O governo Biden, não nos iludamos, é um governo que aplicará os mesmos preceitos imperialistas que os EUA vêm sustentando há décadas. Embora a represente um aparente recuo diante das políticas agressivas de Trump, não se pode esperar que negue sua própria essência. Esperamos que os movimentos populares que se desencadearam no país em torno ao racismo assumam proporções cada vez maiores e que a população americana possa enfim se libertar do desprezível 1% que controla seus corações e mentes.
O gabinete Biden: distância entre a intenção e o gesto
Não havia razão para pensar que o governo Joe Biden estaria à esquerda do governo Obama quando se trata de política externa. Biden tem uma longa carreira política apoiando as guerras da América, desde a invasão do Iraque em 2003 à ocupação prolongada do Afeganistão.
Biden disse durante sua campanha que quer acabar com as “guerras eternas” (muitas das quais ele ajudou a iniciar) e que é contra a guerra no Iêmen (uma posição que só assumiu depois de ter apoiado aquela guerra durante o governo. Obama). Na verdade, Biden não fez nenhuma proposta política concreta para acabar com as guerras sem fim.
Agora, com fidelidade absoluta aos mitos do Destino Manifesto e do excepcionalismo americano, Biden quer colocar os Estados Unidos na cabeceira da mesa nas negociações internacionais. Para isso, as nomeações feitas por Biden até o momento indicam que haverá continuidade na projeção imperial de Washington.
Anthony Blinken – Departamento de Estado
Descrito como alter ego de Biden e vendido para fins de propaganda como um europeu de renome e fiador do multilateralismo , Blinken, cuja nomeação deve ser confirmada pelo Senado, faz parte do partido de guerra da era Obama, e desde o governo Clinton ele se destacou por suas posições intervencionistas. Como Conselheiro Adjunto de Segurança Nacional (2013-15) sob a vice-presidência de Biden, Blinken, próximo ao primeiro-ministro de Israel Benjamin Netanyahu, desenvolveu planos para convulsão política e desestabilização em todo o Oriente Médio. Ele foi um dos impulsionadores da fraude sobre os arsenais de armas químicas de Bashar Al Assad na Síria, o que levou à intervenção militar dos EUA e ao patrocínio secreto de US $ 500 milhões de milícias e grupos terroristas como parte de uma operação de mudança de regime da administração Obama. Ele já havia apoiado a invasão catastrófica da Líbia em 2011. Como operador da diplomacia de guerra de Washington, ele agora tentará fortalecer o papel da OTAN em cercar a Rússia.
Avril Haines – Coordenadora de Inteligência Nacional
Uma assessora de Biden, Avril Haines trabalhou para a CIA no governo Obama, antes de suceder Blinken como Conselheira Adjunta de Segurança Nacional. Em 2013, como vice-diretora da CIA, ela defendeu o uso de técnicas aprimoradas de interrogatório (sic) em militantes islâmicos, práticas que uma investigação do Comitê de Inteligência do Senado chamou de tortura . Além disso, ela é responsável pela estrutura legal da guerra secreta de drones que matou quase 800 civis suspeitos de terrorismo no Paquistão, Somália e Iêmen; ela decidiu quem deveria ser morto. Agora ela se tornará a primeira mulher a liderar a chamada comunidade de inteligência., uma federação de 16 agências que inclui inteligência militar e civil, e escritórios de análise estatística civil que contribuem para o planejamento de missões militares e atividades de espionagem no exterior. Haines se reportará diretamente ao presidente Biden.
Embora a administração Trump tenha escalado a guerra com drones, foi a administração Obama – com a ajuda de Avril Haines – que normalizou o uso generalizado de assassinatos seletivos que transformaram o mundo inteiro em um campo de batalha potencial.Existem outros aspectos do registro de Haines que são preocupantes. Ela se descreveu como uma ex-consultora da Palantir, empresa especializada em Big Data. O polêmico Palantir está implicado em alguns dos piores delitos da administração Trump, incluindo vigilância em massa e detenção de imigrantes
Haines, que também trabalhou para o WestExec, enfureceu progressistas em seu partido democrata em 2018 quando apoiou a nomeação de Gina Haspel para o cargo de diretora da CIA. É de conhecimento público que Gina Haspel participou da gestão das prisões da CIA onde se praticavam torturas degradantes.
Michèle Flournoy – Pentágono
Além de fazer parte do conselho de diretores da empreiteira militar “Booz Allen Hamilton”, ela também é cofundadora do Centro para uma Nova Segurança Americana (CNAS), uma instituição financiada pela indústria. armas, incluindo General Dynamics Corporation, Raytheon, Northrop Grumman Corporation e Lockheed Martin Corporation.
Michèle Flournoy foi subsecretária de defesa de Obama de 2009 a 2012. Em sua posição, ela desempenhou um papel importante na intervenção militar de 2011 na Líbia, na ocupação do Afeganistão, e mais tarde se opôs firmemente à retirada das tropas de EUA do Iraque.
Na verdade, em 2016, até o New York Times acusou o Center for Strategic Studies de fazer lobby com um fabricante de drones Predator (General Atomics). E há muitos que não revelam seus financiadores, incluindo os quatro membros da equipe de transição (Linda Thomas-Greenfield entre eles) que vêm do Albright Stonebridge Group.
Alejandro Mayorkas – Departamento de Segurança Interna
Alejandro Mayorkas, é um jurista nascido em Havana há 60 anos, cuja família fugiu de Cuba após a revolução castrista, e que já foi o segundo no departamento entre 2013 e 2016. Ex-procurador federal na Califórnia, Mayorkas terá sob seu encargo a revisão de algumas das políticas domésticas mais polêmicas da era Trump, como a construção de um muro na fronteira com o México e a separação de filhos de imigrantes de suas famílias.
Este advogado e ex-procurador federal, que viveu primeiro em Miami e depois se radicou com a família em Los Angeles, conhece bem o cargo.
Como o cubano-americano no mais alto cargo no governo de Barack Obama, de quem Biden foi vice-presidente, foi vice-secretário do DHS entre 2013 e 2016. Antes disso, foi diretor dos Serviços de Cidadania e Imigração dos Estados Unidos (USCIS) de 2009 a 2013.
Sobretudo, Mayorkas é considerado o arquiteto da Ação Diferida para Chegadas na Infância (DACA), a política migratória instaurada por Obama por ordem executiva para permitir a residência temporária aos vindos ainda crianças como imigrantes sem documentos, também conhecidos como “dreamers”.
Desde sua chegada ao poder em 2017, Trump tentou cancelar o DACA, que ampara atualmente 700.000 “dreamers”, a maioria latino-americanos. Mas Biden prometeu garanti-lo quando assumir o cargo, em 20 de janeiro.
Janet Yellen – Departamento do Tesouro
A nomeação, que deverá ser confirmada pelo Senado, tornaria a prestigiada economista, primeira mulher a chefiar o Fed e que acumula décadas de experiência em política monetária, a primeira mulher também a ocupar a Secretaria do Tesouro. Seu papel será fundamental nos esforços do próximo governo para promover a recuperação de uma economia devastada pela pandemia do coronavirus.
John Kerry – Departamento de Meio Ambiente
Outra prioridade da Administração Biden será o meio ambiente, como se depreende do fato de que haverá um czar para o clima, um cargo que, segundo a equipe de transição, caberá ao veterano ex-senador, ex-secretário de Estado e ex-candidato à presidência John Kerry, de 76 anos.
John Kerry, como chefe do departamento de Estado, nunca parou de tentar derrubar a República Árabe Síria, o que implica que controlou em cada estágio o que seus aliados faziam. Na verdade, nos últimos 4 anos, os jihadistas foram liderados, armados e coordenados pelo Comando Terrestre Aliado da OTAN
No entanto, os John Kerry não se atreveu a posicionar as tropas em solo sírio ou a lutar abertamente, como fizeram na Coréia, Vietnã e Iraque. Para isso, ele optou por colocar seus aliados na linha de frente – aplicando liderança por trás , ou seja, apoiar, sem muita discrição, grupos de mercenários, como fez na Nicarágua nos anos 1980, ainda se expondo a ser condenado pelo Tribunal Internacional de Justiça – o tribunal interno da ONU
Provavelmente, Kerry contava com o Daesh para tomar Damasco, de onde Tel Aviv mais tarde teria que expulsá-lo, com o que os jihadistas se retirariam para o ” Sunnistão», cujo controle lhes seria atribuído. A Síria então teria sido dividida, com o sul sob ocupação israelense, o leste sob o controle do Daesh e o norte com a Turquia.
Jake Sullivan – Conselheiro de Segurança Nacional
É a favor de acentuar os instrumentos não militares, em particular a guerra econômica, para tentar separar a China, Rússia e Cuba da Venezuela, a fim de derrubar o presidente Nicolás Maduro; suas ideias sobre como fazer isso são bastante consistentes com a estratégia empregada por Trump.
Linda Thomas-Greenfield – Embaixadora das Nações Unidas
O trabalho mais recente de Thomas-Greenfield é uma empresa de “estratégia global secreta” chamada Albright Stonebridge Group, algo semelhante à McKinsey & Company, chefiada por Madeleine Albright.
Não há nada de extraordinário em Biden ter nomeado alguém de uma obscura empresa de estratégia global para um papel tão poderoso. Na verdade, a empresa do Albright Stonebridge Group é uma caixa preta: é quase impossível obter informações sobre quem são seus clientes. A empresa afirma que não trabalha para Agentes Estrangeiros. No entanto, seu escritório nos Emirados Árabes Unidos é chefiado por Jad Mneymneh, um agente que estava a cargo do Escritório de Assuntos Estratégicos do Príncipe Herdeiro de Abu Dhabi.