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Internacional

Gabão: descolonização ou recolonização?

Apesar da sua terrível pobreza, o país tem um dos maiores PIB per capita de África devido à sua riqueza em recursos naturais

Ogolpe militar no Gabão, ocorrido em 30.08.23 aparentemente fazia parte do ciclo de golpes ocorridos na África Ocidental nos últimos anos, onde se destaca o golpe ocorrido no Niger com uma clara conotação anticolonial, anti francesa e pró-Rússia. O golpe foi desencadeado em resposta à divulgação dos resultados, considerados falsos, de uma eleição presidencial realizada anteriormente, pelos quais  o candidato governista Ali Bongo teria obtido 64,27% dos votos, à frente do principal candidato da oposição, Albert Ondo Ossa, que teria obtido  30,77% do  total.  Os resultados divergiam das pesquisas informais que davam certa vantagem ao candidato oposicionista.  Todo o processo eleitoral havia sido desvirtuado pelo governo desde o início. Não houve observadores da União Africana ou de organizações sub-regionais. O governo, no encerramento da votação, decretou toque de recolher e bloqueou a Internet e a imprensa internacional, principalmente a radiodifusão francesa, tornando a cobertura por parte dos jornalistas difícil o tempo todo. 

O principal problema é que, em resposta à criação de uma plataforma comum de oposição “Alternativa 2023”, em Janeiro deste ano, a Comissão Eleitoral Nacional Independente informou  que qualquer voto dado em um deputado local contaria automaticamente como um voto no candidato presidencial desse deputado, o que só teria efeito para o candidato oficial já que o candidato da oposição, Albert Ondo Ossa,  não tinha deputados ligados a ele.

A ditadura colonial da família Bongo

Ex-colónia francesa, o Gabão não teve mais de três presidentes desde a sua independência em 1960.  O vice-rei do Gabão, Omar Bongo, pai do presidente recentemente deposto, havia sido cadete Reserva da Força Aérea Francesa, designado para a inteligência. Os colonialistas franceses o nomearam Vice-Presidente do Gabão quando, em 1967, o Chefe de Estado, Leon M’Ba, estava à beira da morte num hospital de Paris. Após sua morte, Omar Bongo o sucedeu no cargo.  A família Bongo é, portanto, o pilar do neocolonialismo francês em África.

Os Bongos aparecem na lista de corruptos dos Pandora Papers. A família controlava duas empresas de fachada, cujos fins são desconhecidos, nas Ilhas Virgens Britânicas e 9 dos seus 30 filhos são arguidos numa investigação levada a cabo desde 2010 pelos tribunais franceses pelos imóveis adquiridos em França com dinheiro público desviado no Gabão.

Durante décadas, a família bongo acumulou uma fortuna gigantesca saqueando o Gabão, especialmente o seu petróleo. Eles não só possuem inúmeras propriedades imobiliárias na França, mas também em paraísos fiscais. O banco BNP Paribas lavou o dinheiro saqueado em África.

Parte desse dinheiro veio da petrolífera Total, então chamada de Elf Acquitaine, que tinha a sua própria rede de espionagem. Em 2003, muitos dos seus líderes foram julgados em França e 31 deles acabaram condenados. Mas nem todos os fundos acabaram no bolso do Bongo. Os subornos também pagaram as campanhas eleitorais dos partidos políticos, tanto africanos como franceses.

A multinacional geriu todo o tipo de eleições. Entre os beneficiários estão dois Presidentes da República Francesa: Jacques Chirac e Nicolas Sarkozy, segundo os Pandora Papers, publicações do Wikileaks e até o jornal espanhol El País.

Bongo não só financiou políticos franceses de “direita”, mas também distribuiu o dinheiro de forma muito uniforme entre todos. As multinacionais financiam a todos porque é assim que conseguem controlá-los. Quando se analisa a liderança de uma petrolífera como a Total, o que aparecem são, entre outros, espiões e soldados com experiência em operações secretas no Terceiro Mundo, ou seja, em remoção e instalação de governos, assassinatos e lavagem de dinheiro.

A ascensão de Omar Bongo ao poder

Bongo, nascido Albert-Bernard Bongo – mudou de nome após se converter ao Islão na Líbia em 1973 – e pai do presidente deposto , implantou no país o regime de  partido único e criou a sua própria formação, o Partido Democrático Gabonês, à frente do qual foi “reeleito” em 1975, 1979, 1986, 1993 – o primeiro em regime multipartidário -, 1999 e 2005.

A “gestão” de Omar Bongo foi marcada por total concentração de poder: em 1975 eliminou o cargo de vice-presidente e sempre controlava diretamente vários ministérios como  Defesa, Informação e Interior, entre outros.

          O mandato de Omar Bongo terminou em 2009, após a sua morte numa clínica em Barcelona onde recebia tratamento para um câncer intestinal, uma morte que também ocorreu no meio de tensões com a França devido a uma decisão judicial de congelar as suas contas bancárias, no âmbito de uma investigação contra ele.

Após a sua morte, o país organizou eleições presidenciais que foram vencidas por Ali Bongo –um dos seus 30 filhos–, embora a oposição tenha denunciado que a votação tinha sido fraudada para garantir uma sucessão de tipo monárquico.

Antes da sua ascensão à Presidência do Gabão, Ali Bongo ocupou o cargo de Ministro dos Negócios Estrangeiros durante três anos e de Ministro da Defesa durante mais de dez anos , no quadro de uma ascensão política que rapidamente o posicionou como o favorito para suceder ao seu pai.

As acusações contra as fraudes nos processos eleitorais continuaram nas eleições seguintes, realizadas em 2016, nas quais o principal candidato da oposição, Jean Ping, rejeitou os resultados e apontou fraudes massivas na província de Alto Ogooué, um dos redutos de Ali Bongo, em que o presidente obteve 95 por cento dos votos com uma participação de 99,9 por cento , o que lhe permitiu vencer a reeleição com apenas 6.000 votos a mais que seu rival.

Essas acusações de fraude se repetiram nas recentes eleições e foram citadas pelos militares golpistas como um dos motivos do golpe, que também faz parte das crescentes acusações de corrupção contra Ali Bongo, criticadas por organizações civis por terem tornado o país  uma cleptocracia.

Um país muito rico, uma população muito pobre

O Gabão é um dos países mais ricos de África em termos de PIB per capita (8.820 dólares em 2022), graças, em particular, ao seu petróleo, madeira e manganês, e a uma pequena população (2,3 milhões). Este valor é superior, por exemplo, ao da África do Sul (6,7 mil) e ainda mais do que qualquer outro país vizinho. E a diferença com o Níger é de 16,5 vezes!

Está entre os primeiros produtores de petróleo bruto na África Subsaariana. Em 2020, representava 38,5 por cento do seu PIB e 70,5 por cento das suas exportações. Apesar da sua riqueza natural, um terço da população vive abaixo do limiar da pobreza.

O Gabão, ao contrário do Mali, do Burkina Faso e do Níger, é um Estado demograficamente pequeno e não sofre o ataque do jihadismo e do terrorismo. O desenvolvimento econômico do Gabão está totalmente ligado à exportação de matérias-primas: principalmente petróleo e minério de manganês. A renda do petróleo (renda adicional acima do preço de produção) é de 15,6% do PIB. Entre os países africanos, apenas a República do Congo, Angola e Chade são mais elevados. O Gabão é o segundo maior exportador mundial de minérios de manganês, atrás da África do Sul, mas bem à frente da Austrália e da China. Estes quatro países determinam a composição de todo o mercado. 

O Gabão, embora seja uma parte importante de Francafrique, não desempenha para a França o mesmo papel crítico em termos de garantia da segurança nacional que o Níger, com o seu fornecimento de cerca de 20% do urânio de que a França necessita. O Gabão exporta o seu petróleo para a antiga metrópole, e esta posição domina claramente a estrutura de exportação (mais de 55%). Mas a França e o Gabão não são parceiros importantes neste aspecto. Assim, Paris representa apenas 3% de todas as exportações gabonesas, menos do que as destinadas aos Países Baixos ou à Espanha (4% cada). E o principal parceiro agora é a China, que assume cerca de 40% de todas as trocas. O petróleo bruto do Gabão destina-se principalmente a países não ocidentais: China, Índia, Coreia do Sul e Indonésia.

O fato de o Gabão fazer parte da zona do franco CFA desempenha um papel importante. Isto impõe certas restrições ao comércio exterior e às oportunidades de desenvolvimento do país, uma vez que os bancos centrais dos países participantes são obrigados a seguir a política do Banco Central Europeu. Dada a política monetária frouxa na Europa, é muito difícil encontrar fundos para projetos sérios de industrialização e de desenvolvimento de infraestrutura. Além disso, representantes do Ministério das Finanças francês estão incluídos nos conselhos de administração dos bancos nos países africanos, incluindo o Gabão, e metade das reservas de ouro são retidas no Tesouro francês. Mas o mais importante é que o franco CFA oriente o comércio dos países que o utilizam (incluindo o Gabão) para a Europa, embora as condições objetivas os impulsionem a alcançar um melhor equilíbrio comercial com os parceiros asiáticos e, sobretudo, com a China. 

Recentemente, o Gabão, ainda sob Ali Bongo, começou a aplicar uma política externa mais diversificada, encontrando contrapesos ao vetor francês. A primeira foi a entrada na Comunidade Britânica de Nações em junho de 2022, o que já causou forte descontentamento em Paris. Depois vimos sinais de que o Gabão, entre outros países africanos, gostaria de aderir aos BRICS. Os votos do país na ONU também mostram o desejo de encontrar uma abordagem equilibrada: apesar da orientação pró-Ocidente de Libreville, a sua delegação apoia algumas resoluções russas (por exemplo, sobre a luta contra a glorificação do nazismo).

O Golpe no Gabão tem características próprias

O Gabão, também comparado ao Níger, pertence a outra sub-região: a África Central. Tem instituições próprias, muito mais fracas. A sub-região está pouco integrada, tanto política como economicamente. Portanto, não se pode esperar uma ameaça de invasão como  resposta ao golpe. E a sede da Comunidade Económica dos Países da África Central (análoga à CEDEAO) está localizada na capital do Gabão, Libreville.

  Não houve um movimento popular anti imperialista como no Niger, a participação  se resumiu ao apoio eleitoral à alternativa da oposição contra o poder da  família Bongo. O fato de não ser sido possível destituir a família bongo, que governa o país através de sucessivas fraudes eleitorais é que deu uma base política para o golpe.Logo após o golpe não houve slogans antifranceses. Isto mostra que o golpe provavelmente amadureceu dentro das elites e refletiu o seu descontentamento com a manutenção do mesmo grupo no poder.

Os militares, logo após o golpe, anunciaram a criação do Comité para a Transição e Restauração das Instituições (CTRI), garantiram que o seu objetivo é defender a paz pondo fim ao atual regime. 

O General Brice Oligui Nguema, novo líder do Gabão, após a queda do presidente Ali Bongo, prometeu  “reorganizar” as instituições para torná-las “mais democráticas.  “A dissolução das instituições” decretada durante o golpe “é temporária”, afirmou. “Trata-se de reorganizá-las, para torná-las ferramentas mais democráticas e mais alinhadas aos padrões internacionais em termos de respeito aos direitos humanos, às liberdades fundamentais, à democracia e ao Estado de Direito.” Em outro discurso, para representantes da sociedade civil, Nguema prometeu uma nova Constituição e “um novo código eleitoral”. Também ameaçou os empresários envolvidos em casos de corrupção e lhes pediu compromisso para “desenvolver o país”.

A influência do imperialismo norte-americano

O golpe do Gabão mostra um enfraquecimento da dominação neocolonial francesa, que esteve visceralmente vinculada com o domínio da família Bongo no país e que dificilmente poderá recuperar a força com que dominou o país até agora. Resta saber se outra potência (os Estados Unidos) vai assumir o poder ou se os militares gaboneses serão capazes de segurar as rédeas do país com as próprias mãos.Os Estados Unidos fizeram questão de manter distância da França na questão do Níger e no caso do Gabão as diferenças são ainda mais pronunciadas. O homem que se tornou chefe da junta militar do Gabão, o general Brice Clotaire Oligui Nguema, é um oficial da Guarda presidencial, considerado um destacamento de militar de elite, e está intimamente ligado aos Estados Unidos.

O golpe militar no Gabão não foi levado a cabo na sequência da onda anticolonial que abala a região, mas sim para impedir o seu desenvolvimento. Os Estados Unidos prepararam Oligui para substituir os Bongo  e a situação regional obrigou-os a acelerar a substituição. 

Os planos dos Estados Unidos para substituir a dinastia Bongo começaram em 2018, quando o patriarca ficou em estado vegetativo em consequência de um acidente vascular cerebral.No ano seguinte, Bongo nomeou Oligui diretor dos serviços especiais da Guarda Republicana. Oligui aproveitou o novo cargo para desencadear uma operação de “mãos limpas” e de “luta contra a corrupção” destinada a livrar-se dos seus inimigos políticos, antigos e novos. O soldado de “mãos limpas” continuou a sujá-las como sempre fazia, mas agora de forma desenfreada. Comprou imóveis à vista no Senegal, França, Marrocos e Estados Unidos.

O interesse do imperialismo estadunidense no Gabão deve-se a razões diferentes das dos outros casos. Como já mostramos, apesar da sua terrível pobreza, o país tem um dos maiores PIB per capita de África devido à sua riqueza em recursos naturais. Os Estados Unidos estão interessados no Gabão porque, durante nove anos consecutivos, a China tem sido o parceiro comercial número um do país africano. Atualmente, quase um terço do seu excedente comercial provém da China. Em abril, Ali Bongo viajou para a China, encontrou-se com Xi Jinping e ambos concordaram em dar um salto: passar das relações bilaterais para uma parceria estratégica abrangente.

Ou seja, o Gabão ameaçava trilhar o caminho aberto pelos outros países da África Subsaariana, em participar dos investimentos chineses no continente. No primeiro semestre deste ano, o investimento chinês na África Subsaariana ultrapassou os 4 bilhões de dólares, registrando um aumento de 130 por cento em relação ao mesmo período do ano passado. A região também registrou um aumento de 69 por cento no valor dos contratos de construção de infraestruturas financiados por empréstimos chineses nos primeiros seis meses deste ano, em comparação com o mesmo período do ano passado. O valor acumulado destes investimentos situou-se em 6, 29 bilhões entre 1 de janeiro e 30 de junho de 2023.Três países africanos estão entre os cinco principais países que registaram o maior crescimento nos compromissos globais da China, tanto na forma de investimentos como de contratos de construção de infraestruturas no âmbito da Nova Rota da Seda: Namíbia (457%), Eritreia (359 %) e Tanzânia (347 %).

O golpe militar deve ser encarado, então, como uma medida para travar esta crescente penetração da China na África  e, em última análise, expulsá-la dos mercados mundiais.

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