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Internacional

Cisjordânia, outra Palestina?

Por Ricardo Rabelo

A grande incógnita no massacre de Gaza por Israel é a atitude da Autoridade Palestina, que há tempos adota uma posição totalmente subalterna a Israel, cuidando da Cisjordânia apenas de aspectos superficiais da vida coletiva. Nessa crise recente do bombardeio do Hospital em Gaza, e todo levante árabe contra Israel, Mahmoud Abbas foi obrigado a condenar Israel pelo massacre. Cancelou, também, a Cúpula que havia sido marcada em Amã, entre o Presidente Biden dos EUA, o rei Abdullah da Jordânia e o presidente egípcio, Abdel Fattah al Sisi. A verdade é que as autoridades da Jordânia e do Egito foram além do simples cancelamento da reunião: eles deram um check mate em Israel, que pretendia expulsar os palestinos para ambos os países do entorno de Israel. Chegou a haver um rumor de que Israel já havia feito um acordo com o presidente egípcio para transferir um milhão de palestinos para a região de Sinai no Egito. Mas ambas as autoridades dos dois países afirmaram não admitir a recepção de um milhão de refugiados de Gaza.

Como o projeto de Israel parece que foi impedido pelo menos temporariamente, o país está em uma verdadeira encruzilhada. Para onde poderá expulsar os palestinos de Gaza, já que pelo menos 600 mil migraram do norte para o sul da faixa de Gaza, e Israel continua exigindo que a migração continue? Nesse contexto, as atenções voltam-se para a Cisjordânia.

Aparentemente Israel tem duas atitudes para com as duas regiões ocupadas por palestinos no país. Total violência contra a faixa de Gaza, que pretende eliminar totalmente, numa verdadeira limpeza étnica e uma aparente atitude mais branda para com a Cisjordânia. O temor do rei da Jordânia é real? Após expulsar os palestinos da Faixa de Gaza, ou pelo menos uma parte significativa, seria vez da Cisjordânia?

Cisjordânia: a última fronteira
A Cisjordânia faz parte integral do território da Palestina. Situada a leste de Israel e a oeste da Jordânia, essa região se estende por 5.860 km² e dispõe de clima temperado continental e árido, além de relevo montanhoso e desertos interrompidos por coberturas vegetais como estepes e campos.

É uma área longe do oceano, mas banhada pelo rio Jordão e pelo mar Morto. A Cisjordânia possui, hoje, 60% da população da Palestina, mais de 3,2 milhões de habitantes, que vivem nas 11 cidades ou áreas administrativas que compõem essa região. São elas: Hebron que é o maior centro urbano da região, com mais de 822 mil habitantes, Tucarém, Jericó, Belém, Jenin, Nablus, Calquília, Salfit, Tubas, Jerusalém (capital reivindicada) e Ramallah (sede da Autoridade Palestina). Há, ainda, assentamentos israelenses, que têm 432 mil habitantes. A população da Cisjordânia, assim como na Faixa de Gaza, é formada principalmente por pessoas jovens, sendo a idade mediana de 21,9 anos.

Economia da Cisjordânia
Calcula-se que o PIB da região seja de cerca de 10 bilhões de dólares, enquanto o da faixa de Gaza é de 7 bilhões de dólares. (2014). A Cisjordânia tem indústria muito precária, formada por fábricas de pequena escala do setor têxtil e extrativo. A agricultura na Cisjordânia é possível graças à irrigação, produzindo produtos hortifrutigranjeiros, em especial azeitonas, além do leite de cabra. No entanto, é o setor terciário informal que responde por 77% do PIB.

Houve retrocesso do desenvolvimento da região devido à ocupação violenta implantada por Israel na Cisjordânia. Relatório da UNCTAD revela que a ocupação custou 58 bilhões de dólares à região, no período de 2000 a 2019, com uma queda no PIB de cerca de 44%. O nível de desemprego é de 25%, totalizando 39,6% para os jovens e 69% para as mulheres de 15 a 24 anos. Só é possível obter água e eletricidade através de Israel e Jordânia.

Foi durante a primeira Guerra Árabe-Israelense, em 1948, que a Cisjordânia foi anexada pela Jordânia, sendo ocupada por Israel em 1967 como resultado da Guerra dos Seis Dias. A região veio a constituir parte da Palestina com os Acordos de Oslo entre Israel e a Organização para a Libertação da Palestina (OLP). O estabelecimento da Autoridade Nacional da Palestina determinou a ilusão de uma autonomia da Cisjordânia, com a perspectiva de criação de um Estado palestino.

A implementação dos acordos de Oslo criou três áreas administrativas dentro da Cisjordânia: Área A, onde a ANP teria controle total dos assuntos civis e da segurança, representando cerca de 20% do território, com maior presença de palestinos; a área B, onde a ANP tem controle dos assuntos civis, mas Israel tem o controle de segurança, em 20% do território; e, finalmente, a área C, onde Israel tem controle absoluto englobando 60% do território, sendo a área mais fértil e propícia à agricultura e onde estão a maioria dos colonos israelenses. Os Acordos de Oslo, no entanto, concederam a Israel o controle da gestão da água, resultando no domínio de 80% da água da Cisjordânia.

A dominação pelo uso da água
Atualmente, os israelenses, incluindo os colonos, consomem uma média de 247 litros de água por dia, enquanto os palestinos da Área C, sob total controle militar israelense, têm acesso a apenas 20 litros, apenas um quinto do mínimo recomendado pela Organização Mundial da Saúde. Há uma ação permanente de Israel para negar o direito de uso da água aos palestinos. O principal instrumento é empresa nacional de água de Israel, Mekorot. Ela tem reduzido sistematicamente a oferta de água para a Cisjordânia, o que leva os colonos ou as próprias forças de ocupação a destruírem as redes de água para os palestinos. A água que “sobra” é então direcionada para os colonos israelenses.

Isto não se resume a uma atitude isolada, arbitrária, mas é algo planejado. O Estado de Israel vem aumentando sistematicamente o número de “assentamentos“ de colonos na região, o que “naturalmente” reduz a quantidade de água disponível. Esse controle total de Israel sobre as fontes de água nos Territórios Ocupados resultou em uso excessivo, levando a um declínio no lençol freático. Isso aumentou a vulnerabilidade a enchentes e secas, que, por sua vez, prejudicam as áreas agrícolas e residenciais palestinas.

Em Novembro de 2022, Benjamin Netanyahu, ao organizar um novo governo israelita, comprometeu-se a legalizar dezenas de postos avançados de colonos ilegais na Cisjordânia 60 dias após a tomada de posse do novo governo.

A escassez de água, portanto, é um resultado intencional da política deliberadamente discriminatória de Israel, que vê a água como outro meio de controlar a população palestina da Cisjordânia. Israel justifica esta política citando o Acordo Provisório que assinou com a OLP em 1995. O problema é que, no período 1995-2020, a população cresceu cerca de 75%, Israel fornece a mesma quantidade de água de 1995. Para compensar a escassez, a Autoridade Palestina é obrigada a comprar água à empresa de água de Israel, Mekorot, a um preço muito maior que o da água garantida pelo acordo. No final, dos 239 milhões de metros cúbicos de água consumidos em 2020, 77,1 foram adquiridos de Israel.

Em segundo lugar, o acordo não poderia prever que Israel se tornasse um enorme produtor de água, que ocorreu nesse período. Ao contrário de possibilitar aos palestinos na Cisjordânia usufruir de maior quantidade de água, Israel manteve a definida no acordo. Esse acordo fez de Israel o único fornecedor de água na região. Assim, os israelenses têm total acesso à água, enquanto os palestinos recebem a água estipulada no acordo. Dessa forma, a situação dos palestinos na Cisjordânia, não difere muito da faixa de Gaza: sofrem das mesmas violência e opressão colonial de Israel.

A Cisjordânia vai se transformar em uma nova Faixa de Gaza?
Nablus é, certamente, uma região que concentra o comércio e a cultura da Cisjordânia. Possuindo mais de 170.000 habitantes, ela aglutina atividades econômicas importantes e é um ponto de acesso fundamental para as cidades vizinhas no norte da Cisjordânia, incluindo serviços médicos e uma grande Universidade. A cidade está localizada na Área A, a parte da Cisjordânia ocupada à qual a Autoridade Palestina supostamente recebeu total segurança e controle civil nos Acordos de Oslo.

Recentemente, Nablus esteve praticamente fechada por mais de duas semanas, pelo exército ocupante israelense. As vias de entrada e saída da cidade foram interrompidas com barreiras, montes de terra e postos de controle. Cenas de filas de carros, de palestinos exasperados tentando reabir as estradas por conta própria e outros ansiosos em colher azeitonas em suas terras são frequentes nas redes sociais. Além da forte presença militar israelense, aldeias perto de Nablus entraram em pânico com a invasão de multidões de colonos israelitas. Como verdadeiros bárbaros, eles descem dos seus assentamentos nas encostas para vandalizar carros e empresas palestinas, destruir olivais, geralmente assediando os palestinos e ameaçando com violência, tudo com impunidade, às vezes sob a vigilância de soldados israelenses.

A justificativa para este bloqueio e as quase diárias incursões militares em Nablus é, aparentemente, a procura de membros de um novo grupo militante, a Cova do Leão (Areen al-Usud), que nas últimas semanas assumiu a responsabilidade pelo assassinato de um soldado de um posto de controle, além de outros incidentes. No geral, o grupo tornou-se uma preocupação crescente tanto para Israel como para a AP. Composto principalmente por jovens que viveram toda a sua vida no período pós-Oslo, o Lions’ Den afirma que quer reconstruir a resistência da Cisjordânia a décadas de ocupação israelense, que evoluiu para uma anexação progressiva nos últimos anos, com uma escalada de violência e repressão. As façanhas do grupo militante são amplamente partilhadas nas redes sociais palestinas e as ramificações começam a surgir em toda a Cisjordânia, suscitando a esperança de que no futuro obtenham autodeterminação e soberania.

Autoridade Palestina: Instrumento do Imperialismo Norte-americano
Há uma total desmoralização da Autoridade Palestina entre os palestinos da Cisjordânia. Ela é, na verdade, um instrumento direto do fascismo sionista de Israel e do imperialismo norte-americano. Recentemente o Presidente Mahmoud Abbas se encontrou com o Presidente Biden em Belém e certamente não foi para defender os reais interesses dos habitantes da região, pois ele nunca critica Israel.

Poucos dias antes do cerco israelense a Nablus, a relatora especial da ONU sobre a situação dos direitos humanos nos territórios palestinianos, Francesca Albanese, publicou um relatório denunciando “características coloniais da prolongada ocupação israelita”. “A ocupação não é meramente beligerante, mas é de natureza colonial”, observou o relatório de Albanese. “A contenção da população colonial em reservas rigidamente controladas” – como Gaza e, agora, os cantões palestinos da Cisjordânia – “é o núcleo do objetivo colonial dos colonos para garantir a supremacia demográfica e impedir a autodeterminação palestiniana”. Por outro lado, um relatório da Comissão de Inquérito nomeada pela ONU concluiu que “a ocupação israelita do território palestino é ilegal ao abrigo do direito internacional devido à sua permanência e às políticas de anexação de fato do governo israelita”, e recomendou que o assunto fosse encaminhado ao Tribunal Internacional de Justiça como crime contra a humanidade.

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