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Internacional

A Luta da Palestina

E pode o povo palestino e o conjunto de seus aliados contar como certo que terão o apoio de todos nós à sua luta e o aplauso sempre que conquistarem mais uma vitória

Por Ricardo Rabelo

A ocupação da Palestina por Israel sempre chocou a opinião pública internacional e provocou, ao longo do tempo, a reação negativa de vários governos, mesmo os ocidentais, e instituições de defesa dos direitos humanos preocupadas com cenas de selvageria e truculência que eram publicadas. Dessa vez, no entanto, a reação foi unanime em todos os países do chamado bloco ocidental de condenação do “terrorismo” do Hamas e com uma conspiração mundial em apoio à carnificina que está sendo realizada por Israel. O bombardeio recorrente da Faixa de Gaza por Israel já ultrapassou todos os limites do razoável e do suportável para qualquer ser humano normal, não contaminado pelo pensamento único a favor de uma “guerra” contra uma população civil, totalmente carente e desarmada. Não há qualquer escrúpulo ou contenção das forças armadas israelenses as quais o Governo fascista isentou de qualquer crime de guerra nas atrocidades cometidas contra residências, hospitais, universidades e escolas em geral.

A grande mídia ocidental constrói um enorme silenciamento de quem se opõe à ação israelense, produzindo um número inédito de “fake news” completamente mentirosas e ridiculamente estruturadas, como as cenas pretensamente reais de um sequestro de um jovem casal israelense pelos “terroristas” ou a cruel decapitação de 40 bebês. Os governos europeus não parecem se preocupar com o desrespeito flagrante à liberdade de expressão ao proibirem as manifestações públicas de quem se opõe ao massacre dos palestinos. Certas redes sociais, que se arvoram em denunciar este ou aquele canal como financiados pelos governos, estão simplesmente desmonetizando canais que divulgam a verdade.

Por que ocorreu a ação da “Tempestade de Al-Aqsa” do Hamas

A vida dos palestinos nestes últimos anos, na Faixa de Gaza, se transformou num enorme sofrimento para milhões de seres humanos. A situação nunca foi razoável, pois Gaza é um dos locais mais densamente povoados do planeta, onde vivem cerca de dois milhões de pessoas em uma área de 362,6 km². Mais de metade dos seus residentes sofrem de insegurança alimentar e vivem abaixo do limiar da pobreza. Mas a situação piorou na medida em que a extrema-direita assumiu o poder em Israel e nos EUA. O imperialismo adotou uma política de negar quaisquer considerações sobre direitos da população palestina, como o direito de ir e vir, o direito ao trabalho, à liberdade e à própria vida.

Desde 2007, quando o Hamas assumiu o controle em Gaza, após vencer as eleições no ano anterior, a região foi submetida a um cerco permanente das forças policiais e militares de Israel, e passaram a ser frequentes os cortes de água, de energia, a dificuldade de obtenção de alimentos, remédios, etc. Este cerco permanente contou com a ajuda da ditadura militar fascista egípcia, que impede que os palestinos cruzem as fronteiras com o país. A solução encontrada pelos habitantes da Faixa de Gaza foi a construção de túneis subterrâneos, através dos quais se estruturou também a organização da resistência armada a Israel, por parte do Hamas. A Cisjordânia, outra região habitada por palestinos, é governada pela Autoridade Nacional Palestina, cuja principal facção, a Fatah, não é islâmica, mas sim secular.

O conflito entre judeus sionistas e palestinos não se dá só no plano militar e político, mas também no religioso. Há dois anos, uma campanha de mísseis foi lançada de Gaza sobre Tel Aviv em resposta ao fanatismo religioso do Movimento do Monte do Templo dos sionistas e à invasão da Mesquita de Al-Aqsa. Os palestinos atenderam ao chamado para salvaguardar a Mesquita Sagrada. Não foi apenas o Hamas, mas todos os palestinos que se levantaram para proteger Al-Aqsa, porque ela simboliza a fé muçulmana, seja sunita ou xiita. A extrema-direita no governo de Netanyahu pretende reconstruir o Templo (Judaico) no ‘Monte do Templo’ (Haram al-Shariff), o mesmo local da mesquita Al—Aqsa. O que, é claro, exigiria sua destruição.

O governo também pretende a fundação de Israel na “Terra de Israel”. O que acarretaria a expulsão de todos os palestinos da região, permanecendo apenas os judeus. Na verdade, os colonos judeus estão expulsando os palestinos de áreas da Cisjordânia e Faixa de Gaza há muito tempo. Na manhã de quinta-feira, dia 5 de outubro, dois dias antes da ação do Hamas, mais de 800 colonos invadiram o complexo da mesquita e, sob a proteção total das forças policiais israelenses, agrediram e espancaram os fiéis palestinos presentes.

Uma guerra feroz e aberta já estava sendo travada contra o povo palestino pelas forças de ocupação. Em junho deste ano, as forças de segurança de Israel invadiram a cidade de Jenin, no norte da Cisjordânia, com helicópteros e blindados, que resultou na morte de cinco palestinos, incluindo uma criança, e 91 feridos, e a fuga em massa de famílias do campo de refugiados do território. As forças israelenses já tinham matado pelo menos 34 crianças palestinas neste ano, até o dia 22 de agosto. Ou seja, em menos de oito meses transcorridos de 2023, o patamar fatal já é igual ao de 2022, que havia sido o ano mais letal para crianças palestinas em 15 anos.

Além dessas razões de sobra para, como representante eleito dos palestinos, o Hamas lançar uma ofensiva contra Israel, uma outra grave ameaça estava pairando sobre os palestinos nos dias anteriores à ação do Hamas: um possível acordo “histórico” entre a Arábia Saudita e Israel patrocinado pelo governo norte-americano. O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, disse na Assembleia Geral das Nações Unidas que acredita que seu país estava à beira de firmar um acordo de paz com a Arábia Saudita, prevendo que o tratado poderá ser assinado pelo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, e remodelar totalmente o Oriente Médio. Na mesma ocasião, o príncipe herdeiro saudita, Mohammed bin Salman, confirmou uma reunião com Netanyahu e Biden para discutir o acordo. Além de representar um retrocesso para a luta contra Israel, o acordo significaria a perda de vários santuários fundamentais para os muçulmanos de todo o mundo. A ação do Hamas no dia 7 de Outubro reverteu completamente a situação política mundial, tornando o acordo inviável. 

Por que a ação do Hamas não foi detectada por Israel?

Uma meticulosa operação de camuflagem e absoluto sigilo permitiu que Israel fosse pego de surpresa quando o Hamas lançou seu gigantesco ataque, permitindo que uma força usando tratores, asas-deltas e motocicletas enfrentasse o exército mais poderoso do Oriente Médio. Israel acreditava que o Hamas não pretendia mais a guerra, mas os guerrilheiros do grupo estavam sendo treinados e preparados, muitas vezes à vista de todos.

Por outro lado, a divisão da classe dirigente israelita pode ter impedido a visão correta dos acontecimentos. Nos últimos tempos, Israel dividiu-se em duas facções de igual peso, que sustentam duas visões inconciliáveis do futuro de Israel; duas leituras mutuamente opostas da história e do que significa ser judeu. Esta divisão não ficou só no parlamento: tomou as ruas em manifestações gigantescas. Os protestos se intensificaram depois que Netanyahu voltou ao poder no final do ano passado, liderando o governo mais nacionalista e de direita da história de Israel e prometendo restringir os poderes do judiciário. Ele arquitetou uma aliança de partidos de extrema-direita para conseguir apoio suficiente para formar uma coalizão — e tornou-se cada vez mais dependente desses partidos na atual crise. A reforma no judiciário daria ao governo controle total sobre o comitê que nomeia juízes e, em última instância, retiraria da Suprema Corte poderes cruciais para derrubar leis que pudesse considerar efetivamente inconstitucionais. Esses projetos desencadearam uma das maiores disputas políticas e sociais da era moderna de Israel — abastecida em boa parte pelos temores de opositores de que o governo ultra religioso e de extrema-direita estava rapidamente levando o país a um regime teocrático.

A provocação aos palestinos, seja com aumento da repressão, seja com ameaças religiosas e o anunciado pacto com a Arábia Saudita, teria sido uma estratégia do governo para ativar a violência do inimigo externo para neutralizar a oposição e unificar o país em torno de um governo de emergência? É difícil saber, pelos dados atuais, se isso realmente aconteceu. Mas, por ironia da história, este é o resultado preliminar, temporário que estamos assistindo. Não é provável que esta aparente estabilidade atual permaneça, porque há muitos problemas estruturais não resolvidos para o imperialismo e para o Estado fascista israelense.

A luta continua…

Os resultados da ação do Hamas tendem a beneficiar o movimento da resistência que não fica só restrito aos palestinos. Surgiu como ator político importante neste contexto o Eixo da Resistência, uma coalizão de líderes da Palestina, Líbano, Irã, Iraque, Síria e Iêmen que se reuniu há alguns meses para se estruturar como uma força capaz de explorar as vulnerabilidades militares e políticas de Israel e destruir sua reputação de dissuasão nos próximos anos. O recente disparo de mísseis do Hezbollah não foi um ato isolado, mas parte de uma estratégia muito bem articulada.

Há alguns meses, o Hezbollah distribuiu milhares de suas forças de elite Al-Radwan ao longo da fronteira. Israel suspeitou que essa atitude indicava um provável ataque naquela região. Em função disto, Israel aumentou sua presença militar ao longo da fronteira libanesa e reduziu no Sul, em torno de Gaza. A meta era voltar a atenção do exército israelense para o norte e dividir suas forças e seu foco.

Logo após a ação do Hamas, o governo iraniano, através do porta-voz do Ministério de Relações exteriores, Nasser Kanaani, afirmou que “A operação de hoje é um ponto de virada no processo de resistência armada do povo palestino contra os sionistas. Por outras palavras, esta operação abriu um novo capítulo no domínio da resistência e das operações armadas contra os ocupantes. (…) Esperamos que o movimento de resistência consiga obter mais vitórias no caminho para a libertação da Palestina e a realização das aspirações do povo palestino.” O grupo libanês Hezbollah afirmou à imprensa que: “o ataque é uma resposta aos crimes de Israel por ataques a locais sagrados. A vontade do povo palestino e o fuzil da resistência são a única alternativa para enfrentar a ocupação…”

Além do surgimento desse importante Eixo da Resistência, uma questão que pode abalar os atuais violentos bombardeios de Israel sobre a Faixa de Gaza é: Israel pode realmente contar com a ajuda dos EUA? Ou seja, os EUA suportam manter dois conflitos fundamentais envolvendo ao mesmo tempo dois aliados vitais em diversos locais?

É muito difícil que os EUA dobrem a aposta dos mais de 100 bilhões de dólares gastos com a Ucrânia, enfrentando grande oposição política interna e o peso de uma dívida nacional que parece estar descontrolada.Os ucranianos perderam algo entre 300 a 350 mil mortos, talvez mais e centenas de milhares de feridos sem conseguir avançar um centímetro na desastrada contra ofensiva. Se na Ucrânia o problema é a falta de mão-de-obra, o problema principal dos EUA e Europa é a falta de armamento disponível. Ironicamente, os EUA começaram recentemente a transferir para a Ucrânia 300.000 munições de 155 milímetros que tinham armazenado em Israel como parte do programa War Reserves Stock Allies-Israel (WRSAI).

É problemático para os EUA reabastecer Israel, pois a Ucrânia tem disparado entre 3.000 e 6.000 tiros por dia, um quarto do que a Rússia tem utilizado no campo de batalha.O problema é que o complexo militar-industrial dos EUA direcionou suas fábricas para produzir sistemas e hardware de armas de alto custo, como o avião de guerra F-35, avaliado em 80 milhões de dólares. Talvez funcionem com o Exército norte-americano, mas não numa guerra de desgaste contra um exército muito potente.

O fato de Israel demandar armas aos EUA poucos dias após o início do massacre contra os palestinos acende a luz amarela para os apoiadores do estado de ocupação, pois nenhum dos restantes membros do Eixo da Resistência entraram ainda formalmente no conflito. Caso o Hezbollah entre definitivamente na guerra, é esperado que o movimento de resistência libanês dispare 4.000 mísseis por dia a partir do norte do Líbano e envie milhares de tropas de elite para Israel objetivando tomar cidades ou bases militares.

Na guerra de 2006 com o Hezbollah, Israel estava totalmente despreparado: a guerra foi um desastre nacional e Israel sofreu um abalo gigantesco. Durante a guerra, Israel solicitou o acesso ao arsenal do WRSAI e em apenas 10 dias de guerra, Israel gastou quase a totalidade do seu stock de munições.Em julho de 2014, quando enfrentou o Hamas na Faixa de Gaza, Israel novamente apelou para o arsenal da WRSAI para reabastecer munições de tanque de 120 mm e munições de iluminação de 40 mm disparadas de lançadores de granadas.

Se agora o Eixo da Resistência tomar a iniciativa de unificação das frentes, os problemas que Israel enfrentou em 2006 e 2014 serão considerados mínimos. O cenário de pesadelo para os israelenses é que eles passem uma semana ou mais abatendo 6.000 a 10.000 mísseis do Hamas, e não possam deter os mísseis do Hezbollah. A situação será ainda pior com a entrada do Irã na guerra, pois a República Islâmica possui stocks substanciais de mísseis de curto e médio alcance capazes de atingir bases tanto de Israel como dos EUA na região.

Em fevereiro deste ano, Israel lançou um ataque com drones contra uma instalação militar iraniana em Isfahan. O ataque teve como alvo uma instalação que desenvolvia mísseis hipersónicos, que o New York Times descreveu como “munições de longo alcance capazes de viajar até 15 vezes a velocidade do som com uma precisão assustadora”.

A guerra para Israel pode virar uma catástrofe quando se sabe que os palestinos não estão sozinhos. Fazem parte de um Eixo de Resistência regional que derrotou as agendas dos EUA e de Israel em vários estados da Ásia Ocidental, ganhando uma experiência inestimável de luta, organização e planejamento ao lado de aliados confiáveis. É importante notar que a Rússia e o Irã possuem hoje as capacidades industriais para produzir o poder de fogo militar que os EUA e a OTAN não conseguem fornecer aos aliados em Tel Aviv ou Kiev.

Israel entrou em uma guerra que poderá não ser capaz de terminar, tornando-se um estado que, no fundo, só pode ser odiado por todas as nações que buscam transformar radicalmente o mundo apocalíptico que o imperialismo vem criando em todos os cantos da terra. Os senhores da guerra, com sua violência bestial, com sua fúria destrutiva, assassinando uma população exausta pelas privações por que é forçada a suportar, poderão ter novas surpresas mais à frente e enfrentar novas derrotas às quais supunham estar imunes.

Para Israel e os EUA, os palestinos sempre estiveram à mão, um saco de pancadas que se procura quando é necessário aparentar ser invencível. Mas a partir de agora, um passo em falso, um míssil mal apontado, ou um passo maior do que as pernas aguentam, e Israel enfrentará uma guerra regional que não poderá resistir durante um período de tempo significativo.

E pode o povo palestino e o conjunto de seus aliados contar como certo que terão o apoio de todos nós à sua luta e o aplauso sempre que conquistarem mais uma vitória sobre os podres poderes da terra. Avante, Palestina!

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