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Economia

Porque precisamos acabar com o “austericídio” da política econômica

Por Ricardo Rabelo

                Em recente entrevista ao jornal “O Globo”, o ministro da Fazenda Fernando Haddad mostrou finalmente quem é.  Assumindo um tom debochado criticou aqueles, que como eu, julgam sua política econômica um desastre para o país. Afirmou que há uma espécie de esquizofrenia dos petistas, que elogiam o desempenho da economia no ano de 2023 com PIB em crescimento, juros em queda, inflação em queda, câmbio se valorizando mas afirmam que há um austericídio do Governo Lula com a política econômica. Os críticos geralmente advogam  que ela deve ser reorientada para um rumo oposto, da busca da expansão econômica continuada, baseada no investimento público e portanto, de aumento e não redução dos gastos do governo.

                A tônica dos poucos críticos do PT, da Presidente do partido, do deputado Federal Lindeberg Farias e do deputado federal Rui Falcão , se centra na meta de déficit zero fixada pelo ministro para este ano de 2024,   que consideram  exagerada e que pode comprometer não só a continuidade dos gastos sociais do Governo como a continuidade do crescimento da economia, que deve ter de 3% em 2023. Ao negar as declarações do ministro sobre as críticas por parte do PT, também em entrevista ao “O Globo”, Gleisi esclareceu que o partido não acha que “está tudo errado” nas ações de Haddad e afirmou ser um “direito do partido” fazer alertas. “É um direito do partido e até um dever fazer esses alertas e esse debate, isso não tem nada de oposição ao ministro e nem a reiterando que há preocupação com uma política fiscal contracionista”, afirmou. Esta que é a questão.

O ministro mostra pelo conjunto de sua política, que é  doutrinariamente um autêntico neoliberal, que   acredita numa história da carochinha  chamada  “contração expansionista da economia”. De acordo com essa lenda,  o governo sendo austero nos gastos e buscando sempre o  equilíbrio fiscal, geraria um “ambiente de confiança” que possibilitaria um aumento dos investimentos pelos empresários o que acabaria por gerar um crescimento econômico. É a chamada “fada da confiança” que, como qualquer fada das histórias infantis pode acabar se revelando uma maldosa bruxa , cuja face é o capitalismo verdadeiro, não o capitalismo dos sonhos uspianos do ministro.

                O ministro Haddad é muito ardiloso, pois esconde sua face de bruxa porque não quer causar repulsa dos petistas à sua nefasta política econômica. Mas ele sabe muito bem que esta política não deu certo em nenhum lugar  do mundo pois a contração econômica só pode resultar em  recessão, queda do crescimento, aumento do desemprego e a famoso espiral de maldades da política neoliberal. Por isso ele reclama, à la Temer, que não é reconhecido o seu enorme esforço para brindar a nós, essa geringonça brasileira que é o arcabouço fiscal. E agora, resolve fazer o mesmo que Javier Milei na Argentina, que também estipulou o déficit zero como meta do pacote do fim do mundo.

A presidenta do PT faz uma crítica correta, ao incluir o arcabouço fiscal na discussão. “Nós colocamos preocupação com esse desafio que temos na política fiscal. O arcabouço somado ao déficit zero vai diminuir muito o papel do Estado no desenvolvimento da economia se continuar assim, essa é a nossa preocupação, foi isso que nós falamos. Jamais criticamos e dissemos que está tudo errado”, afirmou Gleise Hoffman à imprensa. Mas a ênfase é colocada na meta de déficit zero. Como faz o deputado Lindbergh Farias (PT-RJ)  ao rebater  a fala do ministro e afirmar que a resolução política do partido, “pelo contrário”, reconhece que “o governo teve muitos acertos na área econômica, mas o déficit zero não é um deles”. Lindeberg vai além: “Quando o PT aponta preocupações e desafios não é para fazer oposição ao ministro Haddad, mas para chamar atenção sobre problemas que poderemos ter com uma política fiscal contracionista”, defendendo que governo deve perseguir “a meta de crescimento médio de 4% ao ano”. Ora, como já mostramos aqui e em artigo anterior, a essência da política econômica implantada pelo ministro Haddad é o contracionismo fiscal.

O deputado federal Rui Falcão (SP) sabe disto muito bem quando vem em defesa dos correligionários e afirma que  “ começam ‘apertando parafusos’ e o próximo passo é apertar os cintos das classes trabalhadoras. Vamos lutar por metas de crescimento e lembrar que nosso programa prevê União, Reconstrução e transformação. Até porque para reconstruir precisa se transformar”. Meta de crescimento é algo que deve causar uma grande indigestão no ministro, porque é o oposto do que ele propõe em seu um ano de ministro da fazenda.

Lindeberg chama em sua defesa a opinião do insuspeito Olivier Blanchard, ex-economista chefe do FMI, sobre o risco de “graves recessões” no caso da eliminação dos déficits primários. “Blanchard não é de esquerda, é um liberal e hoje  é  considerado um dos maiores macroeconomistas do mundo. Ele fala do risco político de tentar reverter déficits em superávits de forma abrupta e levar a desaceleração econômica e vitória de governos de extrema direita. Não brinquemos com fogo” afirma o deputado.

                Outro grande nome da economia, desta vez  no plano nacional, critica a meta do ministro Haddad. O ex-ministro e professor emérito da Fundação Getúlio Vargas, Bresser Pereira também defende o arcabouço como mal menor, já que substitui o teto de gastos do governo Temer.  Para Bresser “a imprensa liberal justifica a defesa do déficit zero como forma de baixar a inflação. “Mas a meta de inflação é 3,25%. Com tolerância, é de 4,75%, e a perspectiva de inflação para este ano é de 4,86%. Estamos muito próximos da meta”. O ministro também chamou a atenção para que nos Estados Unidos, o déficit público em relação ao PIB é de 8,20%. Na zona do Euro, 3,6%. “Não estou propondo que o Brasil tenha um déficit público semelhante ao da Zona Euro, mas um déficit fiscal zero definitivamente não faz sentido”.

                O crescimento do PIB em 2023 certamente não se deu como resultado do arcabouço fiscal e do déficit primário zero, porque eles vão começar a funcionar a partir deste 2024. A  economia cresceu em 2023 porque nós tivemos uma mega expansão fiscal. A taxa de crescimento dos gastos públicos acima da inflação foi de 10%  no período de novembro de 2022 para novembro de 2023. O que mostra que o efeito deste crescimento dos gastos  não foi uma inflação sem controle nem a quebra da economia, como apregoam os neoliberais. Mas um crescimento acima de quaisquer estimativas do “mercado”. Com o arcabouço fiscal essa taxa de expansão dos gastos  deve se dar em 10 anos  e não em 12 meses.O governo terá que deixar de investir  e criar uma situação propícia para o investimento privado sustentado pelo Estado como são as PPPs. E terá que privatizar o Estado, os serviços públicos essenciais. Porque a lógica do arcabouço impõe o fim dos mínimos constitucionais de saúde e educação porque cria uma situação que se um setor do governo cresce muito ele “engole” os outros em termos de distribuição das verbas orçamentárias.

                Não é o que pensa o Haddad: quando perguntam a ele como pode haver crescimento com o arcabouço, se ele restringe o investimento público a  se a receita crescer   e mesmo assim uma percentagem do aumento da receita. Ele responde que o que vai puxar a economia agora é o setor privado, não é mais o Estado.  Mas defende que isso se faça via parcerias público-privadas, inclusive no setor de  saúde,  educação e segurança. Isto significa que o Estado vai garantir recursos para o setor privado investir e acumular lucros. Dessa forma temos uma privatização mais sutil porque ela necessita ter o estado  mercantilizando serviços que são do próprio Estado. Mas havia um problema, deste ponto de vista do Haddad , com o arcabouço fiscal. Poderia haver um aumento inesperado da receita do governo que , mesmo com as restrições do arcabouço, possibilitasse um aumento do investimento público. Isto provavelmente gerou um medo enorme de que, afinal, o resultado do arcabouço não realizasse a situação que torne propícias a PPPs. Essa provavelmente foi a razão pela qual a solução apresentada seria o déficit zero. Porque com essa meta os investimentos públicos estariam proibidos de crescer, mesmo com um grande aumento da receita. Se a meta é o déficit zero, esta situação de aumento da receita geraria … um superavit primário. Mas a bruxa da desconfiança Haddad não pode de maneira nenhuma usar esse argumento pois ele significaria a confissão de um crime contra o crescimento do país.

É surpreendente que a ambição de poder do ministro seja tão grande. Ele não somente quer garantir seu projeto neoliberal no Governo Lula, mas quer prolongá-lo indefinidamente. Não satisfeito em indicar o Galípolo para responsável pela política econômica no Banco Central, já afirmou que ele vai ser o próximo presidente do Banco Central. Uma indicação que é de responsabilidade estrita do Presidente da República. Além disso antecipa para agora a discussão da sucessão do Presidente Lula, que só se dará em 2026.E já começou a solapar a idéia, garantida pelo próprio Lula, que irá disputar a reeleição. E sugere que ele deveria ser o sucessor. Tudo isso para garantir a manutenção do projeto neoliberal capenga que defende, contra a idéia dominante no PT. Talvez por isso mesmo ou tentará rachar o partido ou lançará sua candidatura por um outro partido.

Tudo isso mostra que é necessário lutarmos pela substituição do atual ministro da Fazenda por um quadro autêntico do PT, que defenda o projeto natural do PT, e de grande parte do eleitorado do PT. O projeto que envolva o crescimento do país sustentado pela indústria e que afirme a soberania nacional. E que avance na constituição de um setor estatal dominante na economia brasileira que envolva não só os setores tradicionais de saúde, educação, assistência social. A constituição de um núcleo produtivo estatal, cujas bases sejam as atuais empresas como a Petrobras e a Eletrobrás reestatizando-as para reduzir o risco de desmanche com processos de privatização e abertura de capital em países estrangeiros. A partir daí teria que se avançar para vários setores subordinados principalmente, mas também para um núcleo de empresas envolvidas na produção de produtos de alta tecnologia. Neste aspecto faz parte importante e fundamental a indústria aeroespacial, voltada para a soberania nacional neste setor, processo que coloca como ponto de partida inicial a recuperação da Base de Alcântara para o  governo brasileiro.

Outro setor fundamental para a economia brasileira é o setor financeiro que está hoje dominado por grupos financeiros de vocação especulativa e fraudulenta. Sua estatização é absolutamente necessária uma vez que os bancos e demais empresas financeiras funcionam como um monopólio, sem nenhuma das chamadas vantagens da competição capitalista, e sem cumprir nenhum papel da chamada intermediação financeira. Esse papel é desempenhado pelos bancos públicos, mas apenas em determinados setores que são importantes mas que não são os estratégicos. O Banco do Brasil financia o agronegócio, em crédito subsidiado pelo governo, assim como a Caixa Econômica Federal que financia a construção imobiliária, embora tenha esse papel tenha sido extremamente reduzido nos últimos governos. Há imensos obstáculos colocados ao papel de financiamento do investimento industrial pelo BNDES adotados nos governos anteriores, em especial a virtual proibição de crédito subsidiado  pela forma como são calculadas as taxas de juros, que geralmente acompanhando a SELIC.

A atual simbiose entre Estado e capital financeiro é um fator de legitimação do que é, na verdade, um assalto permanente deste capital aos cofres públicos, através da dívida pública.                    A extinção da independência do Banco Central não deve se dar apenas na abolição da forma de indicação do presidente do Banco Central realizada pelo Governo Bolsonaro. O Banco deve ser tornado um banco público, administrado pelo governo, e ir eliminando gradativamente o peso da dívida pública na economia brasileira. Uma primeira medida seria a implantação de uma politica de realização regularmente de auditorias  da dívida  pelo governo e entidades da sociedade civil. Outra medida importante seria a eliminação da remuneração, pelo Banco Central, das sobras de caixa dos bancos. Essa aberração é impede qualquer processo de redução das taxas de juros hoje cobradas pelos bancos privados, já que os recursos que não são demandados para empréstimo têm sua remuneração garantida pelo Banco Central. Outra medida importante é a adoção de uma virtual proibição de que o funcionário do Banco Central possa se empregar em empresas financeiras de qualquer tipo, deixando de manter uma solidariedade corrupta entre bancos e aparelho estatal.

Todas essas mudanças são necessárias para se dar passos para a afirmação da política econômica  como um fator de dinamização da economia brasileira e não da continuidade do austericídio propiciado pela atual administração através do ministro Fernando Haddad. Sua demissão e substituição por um quadro capaz de implementar uma verdadeira política de desenvolvimento soberano, é a única forma de garantirmos que os trabalhadores e o povo sejam objeto dessa política e não os banqueiros, o agronegócio e o imperialismo norte-americano e europeu.

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