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Internacional

A “ucranização” da Europa dez anos após o golpe de Maidan

Justin Trudeau e Volodymyr Zelensky aplaudem ex-General nazista Yaroslav Hunka 

Por Ricardo Rabelo

Em 22 de setembro de 2023 o ex-general nazista Yaroslav Hunka, de 98 anos, foi aplaudido de pé pelo parlamento canadense  depois  ser apresentado como um herói pelo líder da Câmara dos Comuns do Canadá, Anthony Rota durante a visita do presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, ao Legislativo canadense. Depois foram a presentadas desculpas pelo incidente e nada  aconteceu com o ex-general, que deveria estar preso há muito tempo.

Esse processo de esquecimento do que significou o nazismo é uma característica das chamadas democracias ocidentais desde muito tempo. Enquanto os israelenses se ocupam em enaltecer o fato de terem sofrido o “Holocausto” que não pode ser esquecido, o Canadá não é o único país a esquecer  a génese do regime nazista  e o uso das forças de choque fascistas para se imporem e, sobretudo, se manterem. Os EUA também rapidamente se esqueceram disso, quando já em 1947 afirmavam  não apenas que o inimigo não era o fascismo ou o nazismo mas sim a União Soviética. Além disso o fascismo poderia ser instrumentalizado contra este seu verdadeiro inimigo como fez os  Estados Unidos com seus acordos com  a ditadura franquista, consolidados já em 1953.

No atual cenário europeu, a guerra na Ucrania desencadeou um processo de radicalização da transformação dos seus  países  em verdadeiros estados policiais. Não só as noticias sobre a guerra passaram  a ser direcionadas para estimular um ódio aos russos,  mas todos elementos da cultura russa começaram  a ser combatidos,  chegando ao ridículo tentando vetar o estudo de escritores russos nas universidades europeias ou eliminar os filmes de Tarkovski dos festivais de cinema; enquanto ninguém parece ver qual é a principal mídia estrangeira  na Europa  e a que interesses ela serve.

A perda da hegemonia do imperialismo norte-americano e a emergência  novos polos mundiais  anti imperialistas estão levando a Europa a uma ucranização, ou seja, uma subserviência aos interesses norte americanos, com perda quase total de soberania e  com um custo altíssimo tanto em termos políticos como em termos econômicos.

Dez anos após o triunfo do golpe de Estado de Maidan, vemos como os elementos que caracterizaram esse conflito do ponto de vista interno se internacionalizam, afetando diretamente as potências ocidentais, especialmente as europeias. A deturpação da informação e o controle midiático e cultural serviram durante dez anos para construir uma narrativa que escondesse o pano de fundo geopolítico do conflito ucraniano, algo que, por sua vez, obrigou certos elementos internos a serem escondidos. O elemento principal foi o ocultamento de que o regime político ucraniano representa uma restauração do nazismo original em todos os setores da  sociedade, com implantação de uma ditadura feroz, que eliminou fisicamente seus adversários internos e mantem o controle total do falido estado ucraniano.

                Para justificar a narrativa construída em torno da Ucrânia, a Europa precisou da banalização e a instrumentalização do fascismo, assim como fizeram os golpistas em Kiev. Em 2 de fevereiro de 2022, no jornal espanhol El Mundo, entrevistou Ivan Vovk, porta-voz da Associação Patriótica dos Ucranianos na Espanha, cujas redes sociais foram destacadas por imagens suas fazendo a saudação nazista.Ao mesmo tempo, na televisão pública espanhola, jornalistas entrevistaram “voluntários civis” em Kharkiv, incapazes de evitar que os emblemas do Batalhão Azov aparecessem .

Tudo isso foi antes do início da Operação Especial Russa. Desde então, as coisas atingiram um nível elevado de normalização. Na televisão espanhola (TVE) foi transmitida uma reportagem sobre o Natal ortodoxo dos ucranianos em Espanha, entrevistando uma família que  ostentava a fotografia  do líder nazista ucraniano  Stephan Bandera na sala de sua casa. Durante anos, no Parlamento Europeu, e fora dele foram denunciadas a perda de direitos civis e políticos na Ucrânia, a perseguição de jornalistas ou ativistas políticos, e  , mesmo assim, nunca o governo ou os parlamentares tomaram qualquer iniciativa em relação a isto.

Hoje, a “ucranização” da Europa é cada vez mais um facto. Jornalistas são presos  sem prova, meios de comunicação censurados, intelectuais ou acadêmicos perseguidos. A “russofobia” instalada há mais de cem anos e reforçada nos últimos tempos, facilita uma caça às bruxas.  Qualquer questionamento ou análise que vá além da narrativa oficial serve para apontar dizer que você é “pró-russo” e, ser punido por isso, embora não havia nenhuma lei que estabelecesse qual é o “crime.

Espanha: um estado “democrático” com práticas fascistas

Na Espanha    a ONG  Defenda Quem Defende, por meio de sua ferramenta de monitoramento de violações de direitos em contexto de protesto, registrou 1.184  violações de direitos em um total de 261 casos durante os anos de 2022 e 2023. As violações incluem prisões, multas, ameaças, ação contra a integridade física e processos. Para a ONG, nos últimos dois anos, e particularmente em 2023, “a reativação de protestos e ações de desobediência foi acompanhada por um aumento da repressão e novas metodologias repressivas que violaram gravemente direitos fundamentais”.

Esta organização entende que o direito de protesto “continua a ser constantemente violado criminalizando  e reprimindo indevidamente atos de desobediência civil não violenta, impondo sanções e penas desproporcionais a diferentes manifestações de protesto, sejam de natureza sindical, feminista, ambientalista, independentista, antirracista ou qualquer outra luta social”.

               Em 2023, a ONG registou um total de 178 casos, resultando em 870 violações diferentes. Neste ano houve uma “onda de repressão contra grupos e organizações ambientalistas”. Pelo menos 74 pessoas foram presas em um total de 43 casos. Uma novidade é o monitoramento das mobilizações em solidariedade ao povo palestino, a perseguição às mobilizações em favor do direito à moradia, e o aumento das violações relacionadas à liberdade de expressão e informação.

Entre as principais novidades de 2023, o Defenda Quem Defende destaca “com grande preocupação” o uso de balas de borracha pela Polícia Nacional em junho e julho, durante a greve dos metalúrgicos em Vigo, e em novembro em Madri. Também foi documentado um aumento de denúncias de maus-tratos sob custódia policial.

Em relação à repressão aos protestos de grupos ambientalistas, as violações sofridas pelos ativistas estão relacionadas à prisão e privação de liberdade, com um total de 52 pessoas presas em 2023. As pessoas presas estavam desenvolvendo manifestações pacíficas e ainda mais grave é o fato de que os 22 integrantes do coletivo ecológico Futuro vegetal foram acusados  de pertencer a uma organização criminosa.

O movimento de defesa do direito à habitação é um dos grupos mais afetados pelas detenções, principalmente durante os despejos, e recebeu 171 multas em 2023 em relação ao livre exercício do direito de protesto: 89 contra 46 ativistas do Sindicat de Llogateres em Sant Cugat del Vallès (Barcelona) e 77 contra o Sindicato da Habitação de Carabanchel (Madrid).

                Outro método típico de ação de um estado policial é a infiltração policial em coletivos e movimentos sociais. A ONG relata  que os periódicos  El Salto ou La Directa detectaram  seis policiais disfarçados que foram descobertos em 2023. Para a ONG  a criminalização e perseguição de movimentos, coletivos e organizações da sociedade civil tem um efeito desencorajador evidente e generalizado  e denuncia o  uso de  metodologias que produzem um efeito intimidador em todos os cidadãos e restringem e reduzem o espaço da sociedade civil.

A origem de todas estes atos antidemocráticos do Estado espanhol está na Lei Orgânica n.º 4/2015, de 30 de março de 2015, conhecida como Lei da Mordaça. O Estado policial já vem sendo implantado há pelo menos 10 anos, e quase todos países da União Européia tem leis semelhantes . Para restauração do estado de direito nestes países este tipo de lei deve ser imediatamente revogado. Não se deve esquecer que esta ação do Estado burgês espanhol  já tem  raizes históricas. É preciso, portanto, uma reforma completa do Código Penal para garantir que o direito de manifestação, a desobediência civil e a luta não violenta não possam ser investigados sob a atribuição circunstancial de crimes de terrorismo ou organização criminosa, e para eliminar todos os artigos que ameacem a liberdade de expressão.

No que diz respeito à atuação das Forças e Corpo de Segurança do Estado durante as manifestações, é necessária  a proibição do uso de balas de borracha, a garantia do direito de registro e monitoramento da conduta e atuação dos policiais, a adequação da política de transparência das forças policiais aos padrões internacionais e o estabelecimento de um mecanismo externo e independente de supervisão e investigação das ações policiais. O Estado deve assumir  a responsabilidade e investigar  os casos descobertos de policiais infiltrados em movimentos sociais e que medidas sejam implementadas para garantir mecanismos de proteção aos jornalistas no exercício de seu trabalho, particularmente no contexto de protestos.

Reino Unido: a ditadura da nova Lei de Segurança Nacional

Considerado por muitos o exemplo de estado democrático europeu, o Reino Unido agora tem uma Lei de Segurança Nacional, como a ditadura brasileira manteve durante vinte anos. Agora , o jornalismo investigativo e os militantes políticos e sociais podem ser presos se desafiarem a “verdade” oficial que mantém a versão de que a Rússia é a agressora  à Ucrania, e que deve abominada e que Israel foi atacado por terroristas e tem o direito de se defender.  O que o regime britânico quer não é só condenar e  deportar Julien Assange, mas destruir  o WikiLeaks e outros órgãos de imprensa que denunciem  crimes de guerra, e arbitrariedades  de todo tipo.

Assim, a divulgação de vazamentos ou de documentos secretos  que mostram como age o governo contra os interesses ou direitos dos  cidadãos será doravante proibida terminantemente. Segundo as autoridades a divulgação de  vazamentos colocam a vida dos agentes em risco, e ameaçam  partes vitais de infraestrutura de segurança nacional e inteligência sendo por isto altamente irresponsáveis. Alegam que  são necessárias salvaguardas para nos protegermos contra esse tipo de impacto prejudicial à nossa segurança nacional.

O próprio Pentágono concluiu, no entanto,  que não houve “nenhum ‘impacto estratégico’ significativo” na divulgação pelo WikiLeaks do Diário da Guerra do Afeganistão ou dos Registros da Guerra do Iraque, fornecidos a Assange pela então soldado americana Chelsea Manning. O Ministério Público admitiu este fato  durante o processo inicial de extradição de Assange, em fevereiro de 2020. Um pilar central do argumento do Estado britânico para a Lei de Segurança Nacional é, portanto, baseado em mentiras.

Um inquérito em curso confirmou uma Investigação da BBC que revelou que um esquadrão SAS matou 54 pessoas em circunstâncias suspeitas, depois falsificou evidências para enquadrá-las como insurgentes armados.Sob a nova lei, isto não poderia ser denunciado. A Suprema Corte do Reino Unido expressou uma visão muito diferente quando, em 2018,  decidiu em votação  unânime de que os telegramas publicados pelo WikiLeaks são admissíveis como prova em processos judiciais.

                De acordo com a nova lei  qualquer um que “copia”, “retém”, “divulga”, “distribui” ou “fornece acesso a” informações protegidas pode ser punido por  penalidades que variam de multas severas a prisão perpétua. Se as informações protegidas foram vazadas diretamente para eles, ou se eles simplesmente se depararam com elas por acidente, é irrelevante na visão do Estado britânico. A  lei não reconhece  qualquer defesa de “interesse público” àqueles que revelam informações protegidas

Em uma ficha informativa oficial , o governo britânico admite que esses crimes penalizam expressamente os cidadãos quando é “difícil provar” que eles “cometeram um crime de espionagem”. O governo também reconhece que “não é possível provar uma ligação entre [um] benefício fornecido e o que a pessoa fez – ou deva fazer – em troca”.

Esta definição perturbadoramente ampla aumenta a probabilidade de que os cidadãos britânicos possam infringir a lei sem querer. A leitura de uma publicação de uma conta anônima de mídia social, gerenciada em segredo por um Estado “hostil”, seria classificada como recepção de “informação” e, portanto, um “benefício material”

De acordo com a Lei de Segurança Nacional, “não é necessário identificar um serviço de inteligência estrangeiro específico” para processar cidadãos britânicos por receberem “benefícios materiais” de Estados “hostis”.Em outras palavras, se as autoridades em Londres simplesmente suspeitarem que alguém poderia de alguma forma se beneficiar de possuir “informações” fornecidas a eles por uma potência “estrangeira” desconhecida, que eles podem ter tropeçado na internet ou sido fornecidos de uma forma ou de outra sem seu pedido expresso ou consentimento, eles podem ser rotulados como criminosos e punidos.

   Além da nova lei, o Estado britânico criou um novo mecanismo de censura conhecido como o Comitê Consultivo de Mídia de Defesa e Segurança (DSMA).  Ele é composto por representantes dos serviços de segurança e inteligência, veteranos militares, altos funcionários do governo, chefes de associações de imprensa, editores e jornalistas. O comitê determina a portas fechadas quais assuntos relacionados à segurança nacional podem ser cobertos pela imprensa e de que forma.

O  Comitê   emite , quando necessário, o que são conhecidos como “D- avisos” Teoricamente, trata-se de pedidos voluntários para que os veículos de comunicação não divulguem informações específicas ou omitam detalhes considerados prejudiciais à segurança nacional. Embora os destinatários não sejam legalmente obrigados a cumprir, eles estão plenamente cientes de que uma recusa pode significar um processo sob a Lei de Segredos Oficiais de 1989, especialmente se a informação em questão resultar de uma “Divulgação não autorizada.” Alternativamente, um jornalista rebelde  pode simplesmente ser colocado na lista negra, perdendo o acesso a briefings on e off-the-record e informações privilegiadas de funcionários, o que ameaçaria seu emprego.

O Comitê DSMA estima que os jornalistas enviam voluntariamente de 80% a 90% de suas histórias para revisão quando suspeitam que o órgão possa considerá-las censuráveis.  Em 2013, quando o  Edward Snowden vazou documentos mostrando que o Reino Unido monitorou secretamente as comunicações de diplomatas estrangeiros nas reuniões do G20 em Londres, o Comitê prontamente submeteu  as divulgações a um aviso D. Com a inusitada exceção do The Guardian, a mídia britânica amplamente atendeu ao pedido de censura.

O mesmo Guardian manteve-se em silêncio em outubro de 2023, no entanto, quando o DSMA despachou um aviso D às principais publicações solicitando que não mencionem “Forças Especiais e outras unidades envolvidas em operações de segurança, inteligência e contraterrorismo” em Gaza. Desde então, a discussão sobre o assunto desapareceu do debate público e não houve qualquer consideração sobre se o SAS – e, por extensão, o Estado britânico – está ativamente envolvido no genocídio de Israel contra o povo palestino.

Evidentemente, até mesmo alguns membros do Comitê reconheceram que a mera existência da Lei serve para amordaçar ainda mais os jornalistas britânicos, e que eles se recusarão a investigar   assuntos relativos à segurança do Estado por medo de que reportagens de interesse público possam levá-los à prisão.

                Esse estado de coisas existente em Espanha e no Reino Unido não são exceções: a liberdade de imprensa e de expressão não existem mais nos países europeus. E estes países continuam sendo apresentados como exemplos de democracia e liberdades ocidentais. A proximidade entre os métodos nazistas de repressão a “dissidentes” e os métodos atualmente em vigor na Europa é muito grande. Não é preciso que a extrema direita tome o poder para isto: o controle que os chamados órgãos de segurança exercem sobre as liberdades públicas limitando cada vez mais a atuação de cidadãos e movimentos sociais e impedindo a própria sociedade civil de se manifestar.

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